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14 de setembro de 2017

Deter mortes no trânsito requer medidas em múltiplas áreas

Levantar desafios, compartilhar o que vem sendo feito com sucesso e contribuir para reduzir as mortes em rodovias. Essa foi a proposta da quarta edição do Fórum Arteris de Segurança, realizado na semana passada, em São Paulo. Sob o lema “Soluções hoje para o trânsito de amanhã”, o evento reuniu especialistas e autoridades do Brasil e de outros paí­ses na busca de soluções que ajudem no cumprimento da meta estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Década de Ação pela Segurança no Trânsito: diminuir pela metade as fatalidades nas estradas até 2020.

O presidente da Arteris, David Díaz, espera que os próximos dez anos sejam cruciais no aproveitamento das oportunidades de melhorias e aprimoramento das práticas de proteção à  vida. “Temos aumento previsto de 600 milhões de veí­culos até 2025, o que pode tornar os congestionamentos e acidentes ainda mais frequentes. Por outro lado, devemos ter avanços tecnológicos que vão tornar nossas vias muito mais inteligentes”, resumiu.

Alguns casos bem-sucedidos mostram que é possí­vel fazer a balança pender para as polí­ticas de prevenção. A Espanha começou o século com uma taxa de mortes no trânsito acima da média europeia. Hoje, apresenta í­ndices melhores do que a França. “O primeiro passo é levantar dados. Sem eles, não há política”, afirmou o engenheiro Pere Navarro, diretor geral de Tráfego na Espanha entre 2004 e 2012.

A estratégia é adotada pelo Estado de São Paulo, que em 2015 criou o Movimento Paulista de Segurança no Trânsito. Todos os meses ele fornece estatísticas de ocorrências, permitindo o filtro das informações (por gênero, idade, horário, dia da semana, jurisdição da via…). “Divulgamos todo dia 19 os resultados do mês anterior. Assim, conseguimos traçar polí­ticas públicas mais efetivas”, disse a coordenadora do movimento, Silvia Lisboa.

Em nível nacional, Dalton de Campos Mello Filho, coordenador de Fiscalização de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), destacou a iniciativa Canal Verde Brasil, que monitora o transporte de cargas em todo o território nacional. “O projeto vai contribuir com dados sobre roubo de cargas e canais logísticos. O próximo passo é expandir para o transporte de passageiros.”

O setor privado também tem grande potencial de contribuição, podendo, inclusive, atuar em parceria com os governos. Foi o que aconteceu em Atlanta, nos Estados Unidos. Numa estratégia para deter o í­ndice de colisões na North Avenue (200% superior ao dos demais corredores viários da cidade), a administração local criou uma base de dados similar à de São Paulo. Porém, conseguiu acrescentar informações de tráfego comercial cedidas pelas empresas, incrementando o sistema a ponto de apontar probabilidades de acidente de acordo com variáveis como congestionamentos e flutuações climáticas. “Os condutores de Atlanta tinham mais cuidado quando nevava, mas não em caso de chuva. Passamos a notificá-los sobre os riscos de dirigir sob essas condições”, citou David Braunstein, presidente da Together for Safer Roads (TSR, Juntos por Rodovias mais Seguras).

Trabalho colaborativo

Uma das principais motivações do fórum é a exposição de diferentes experiências que levam a bons resultados. Segundo Nelson Bossolan, diretor superintendente da Régis Bittencourt, todas as concessionárias da Arteris compartilham boas práticas entre si por meio do Gerar, programa de gestão voltado para a segurança, que busca a determinação e resolução dos pontos crí­ticos nas rodovias administradas pela Arteris, segundo modelo de gestão adotado pelos acionistas Abertis e Brookfield.

Essa polí­tica de intercâmbio é estimulada pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) em escala nacional. Além disso, o diretor executivo da entidade, César Borges, afirmou que os parâmetros que as agências reguladoras exigem das rodovias concessionadas fazem com que elas tenham um ní­vel de tecnologia superior ao das administradas pelo poder público. “Na concessionada, há câmeras cobrindo praticamente toda a extensão, atendimento de socorro médico com tempo máximo de 25 minutos e assistência mecânica”, enumerou.

Outra iniciativa fundamental são parcerias com a academia. “As universidades têm desenvolvido modelos para ajudar a prever acidentes, entender geometria de rodovia e comportamentos do motorista”, observou a professora Liedi Bariani Bernucci, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

A USP, aliás, é uma das cinco do mundo que desenvolvem estudos com foco em segurança viária, por meio de apoio da Abertis, grupo que atua na área de concessões em 12 paí­ses e do qual a Arteris faz parte. Um dos focos da atuação da companhia é a conscientização de jovens.

Para impactar esse público, é preciso ser direto e buscar abordagens inovadoras, como indicou no fórum o professor Pablo Foncillas, da escola de negócios da Universidade de Navarra, na Espanha. Ele sugere investir em ações criativas que combinem variáveis externas (das quais não se tem controle) com internas (que podem ser controladas). “Uma rede de cafeterias desenvolveu um aplicativo chamado Drive Awake. Ele é capaz de identificar se o motorista está com sono (variável externa) por meio da expressão facial e propõe que a pessoa pare e tome um café na loja mais próxima da rede (variável interna)”, exemplificou.

Mudança de hábito

Iniciativas com esse enfoque são importantes porque a maior parte dos acidentes de trânsito no mundo tem como principal causa o comportamento humano.

Luciano Fernandes, superintendente adjunto da Polí­cia Rodoviária Federal (PRF), em São Paulo, destaca que ações educativas vêm sendo realizadas com o apoio de instituições. “Fazemos um trabalho muito grande na educação para o trânsito, tanto de quem usa as rodovias como os mais jovens, para que aprendam a respeitar os limites”.

As mudanças de comportamento, porém, também dependem de fiscalização. O caso do uso de celular é típico. “Observamos cada vez mais pessoas fazendo do carro sua sala de reuniões. Mas acabam colocando vidas em risco”, alertou o coronel Luis Henrique Di Jacintho Santos, comandante de policiamento rodoviário da Polí­cia Militar de São Paulo.

A tecnologia vem se tornando aliada crucial em tarefas de monitoramento. Mas podem vir a ganhar importância ainda maior – como as inovações capazes de identificar situações de risco e agir independentemente da atuação do condutor. Um carro totalmente autônomo ainda não é viável. Mas já existem à disposição vários ní­veis de autonomia. O diretor de Engenharia e Inovação para a América Latina da Renault, Flávio Lima, ressalta: “um radar que faz com que a distância mínima de segurança em relação ao veí­culo da frente seja respeitada de forma automática representa um enorme avanço.”

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