Revista SIM

02 de outubro de 2018

Bem-vindo à rodovia do futuro

Mesmo com a perspectiva de que o mundo ganhe mais 500 milhões de automóveis, utilitários, caminhões e ônibus até 2030, chegando à marca de 2 bilhões de veículos em circulação, a expectativa é de que viajar se torne mais seguro e confortável do que é hoje. Boa parte dessa aposta se deve às inovações que prometem reduzir drasticamente os dois maiores problemas atuais do transporte rodoviário – a poluição e os acidentes. Nos carros, a previsão é que a queima de combustível seja substituída pela energia elétrica. A tecnologia dos veículos autônomos poderá ter se popularizado, tornando-os mais seguros. Sinalização, fiscalização e orientação de tráfego também serão aperfeiçoados com a ajuda de inteligência artificial, compartilhamento de informações, big data e outras inovações.

A rodovia do futuro poderá ter mais uma função importante, além do transporte: a geração de energia. Pequenas turbinas de produção de energia eólica serão instaladas nos postes de iluminação à beira das rodovias, ao mesmo tempo em que se viabilizará a produção de energia solar a partir da própria superfície da rodovia, graças à utilização de um pavimento composto por painéis solares. 

Estima-se que a frota mundial de veículos elétricos, antídoto contra a emissão de gases poluentes provocada pela queima de combustíveis fósseis, terá chegado a 127 milhões de unidades, conforme projeção da Agência Internacional de Energia. Em muitas rodovias da Europa e dos Estados Unidos, os pontos de recarga já serão tão frequentes quanto os postos de combustíveis tradicionais. Ao mesmo tempo, como projetou o estudo Road Tech, realizado no fim de 2017 pela área de inteligência do grupo que edita a revista The Economist, novas tecnologias de carregamento sem fio serão aprimoradas para se tornarem comercialmente viáveis.

Já os veículos plenamente autônomos, esperança contra as falhas humanas que causam 90% dos acidentes automobilísticos, poderão estar estreando nas rodovias. Alguns comboios de caminhões sem motorista carregarão tripulantes não mais com a função de dirigi-los, mas apenas de acompanhar a viagem. Os recursos de autonomia parcial, contudo, poderão ter se tornado a regra da indústria automobilística. Os veículos devem sair da fábrica com várias funções automáticas, como a capacidade de estacionar sozinhos, a obediência a princípios de direção defensiva ou a frenagem de emergência. Isso já será suficiente para iniciar uma tendência de redução na quantidade de acidentes e, por consequência, das mortes no trânsito, que atualmente chegam a 1,25 milhão por ano.

Bons exemplos brasileiros

Um dos motivos para que as novas tecnologias se consolidem primeiro nos países desenvolvidos é a dependência de uma infraestrutura rodoviária inteligente – o que exigirá muitos investimentos e agilidade para atualizar as legislações e regulamentações. Nesse novo cenário, uma das necessidades é a ampla cobertura 5G, a próxima geração de rede sem fio, que promete ter capacidade e velocidade várias vezes superiores à 4G. O ambiente terá que ser amigável para que os vários tipos de sensores que equiparão os veículos – câmeras, detectores ultrassônicos, radares – alcancem o desempenho esperado. Além disso, essa cobertura possibilitará uma comunicação eficaz entre os veículos e a rodovia, com um grande volume de dados sendo compartilhados no sentido de tornar o sistema mais eficiente e previsível.

“Conseguir projetar com mais precisão o tempo de uma viagem é essencial tanto para os planejadores do tráfego quanto para todos que lidam com logística”, diz o superintendente da Arteris Régis Bittencourt, Nelson Bossolan. Ele sabe bem do que está falando, pois a concessionária celebrou recentemente a eliminação de um gargalo na Serra do Cafezal. Em dezembro do ano passado, foram concluídas as obras do trecho local de 30,5 km que faltavam para deixar a Régis Bittencourt inteiramente duplicada – o projeto incluiu a construção de quatro túneis, 39 pontes e viadutos, duas passarelas de pedestres e 12 passagens de fauna.

As concessionárias da Arteris também deram passos importantes neste ano relacionados ao compartilhamento de informações, uma das tendências essenciais da rodovia do futuro. A empresa foi integrada ao programa Connected Citizens (“Cidadãos Conectados”), do Waze, o mais conhecido aplicativo de navegação do mundo. Com a parceria, usuários das concessionárias da Arteris passaram a desfrutar de maior confiabilidade e rapidez no acesso a informações sobre as condições da via e possíveis incidentes, graças à interação do aplicativo com os Centros de Controle Operacionais (CCOs) das rodovias. Tanto os usuários quanto as concessionárias podem criar alertas que serão visualizados por meio do aplicativo. “É mais uma fonte de informação, que se soma a várias outras, como o nosso 0800 e o sistema de câmeras, para aumentar a segurança dos nossos usuários”, diz o superintendente de Tecnologia da Arteris, Ricardo Casagrande. Nos Estados Unidos, onde começou a parceria do Waze com as administradoras de rodovias, 70% dos comunicados de acidente já são relatados em primeiro lugar por meio do aplicativo, antes mesmo do 911, tradicional número de emergências no país, o que fez o prazo médio de atendimento ser reduzido em quatro minutos.

Outro bom exemplo de utilização da tecnologia nas rodovias brasileiras é o programa de telemetria desenvolvido pela Arteris Fluminense, com o objetivo de obter um controle detalhado do desempenho e das ações dos 40 veículos que integram a frota de operação. Os motoristas são treinados para seguir princípios de direção defensiva e respeitar o limite de velocidade sob quaisquer circunstâncias, mesmo quando o veículo está a caminho de atender uma ocorrência – a distribuição das bases da concessionária ao longo da rodovia assegura que haverá um veículo chegando a qualquer ponto de sua extensão em, no máximo, 15 minutos, de tal forma que o aumento da velocidade traria um risco de acidente que não se justificaria pelo eventual tempo ganho. “A telemetria tem várias vantagens. Contribui para a segurança, a conservação dos veículos e a redução do consumo de combustível”, explica o diretor-superintendente da Arteris Fluminense, Odílio de Jesus Ferreira.

Todas essas iniciativas têm utilidade prática e imediata, mas também fazem parte do planejamento para um cenário mais amplo, que une os benefícios para o usuário de hoje à preparação da infraestrutura para o usuário do futuro.

O que vem por aí

Veículos autônomos
Os veículos sem motorista utilizarão GPS e diferentes tipos de sensores, como câmeras, radares, detectores ultrassônicos e de luz, para tomar as decisões e desviar de obstáculos – e serão muito melhores que os humanos nisso.

Carregamento em movimento
Um dos problemas dos veículos elétricos é que recarregá-los exige um bom tempo. Uma boa saída será realizar o processo em movimento, a partir de uma bobina condutora instalada na rodovia.

Rodovia com painel solar
Um pavimento composto por painéis solares, revestidos com pequenas partículas de vidro que garantem a sua resistência, permitirá que as rodovias sejam aproveitadas para gerar eletricidade a partir da luz do sol.

Rodovia que gera energia
Transformar o peso do veículo trafegando sobre uma pista em energia elétrica: esse é o princípio da tecnologia piezoelétrica, que converte pressão mecânica em eletricidade, em testes no mundo.

Sinalização dinâmica
As placas de trânsito se tornarão painéis digitais dinâmicos, fornecendo em tempo real informações relevantes ou promovendo alterações como a mudança temporária da velocidade máxima em um determinado trecho.

Veículos elétricos
Já há 32 marcas vendendo 63 modelos de veículos leves e sete modelos de caminhões elétricos no mundo. Com o aprimoramento das tecnologias de recarga, a frota deve saltar dos atuais 6 milhões para 127 milhões em 2030.

Câmeras inteligentes
As câmeras terão um papel cada vez mais proativo no monitoramento, identificando automaticamente situações anormais ou flagrando placas de veículos que estejam sendo procurados pela polícia.

Controle integrado de tráfego
O processamento de um volume imenso de informações fornecidas pelos veículos conectados e pela infraestrutura inteligente permitirá um planejamento mais eficaz do tráfego, incluindo ajustes baseados na previsão de demanda futura.

Tecnologia de ponta nas rodovias

Grande parte do trabalho de supervisão das rodovias da Arteris é baseado nas imagens fornecidas por câmeras. No caso da Arteris Régis Bittencourt, por exemplo, elas estão instaladas, em média, a cada dois quilômetros, totalizando mais de 200 unidades. Seria impossível para a equipe que monitora o sistema acompanhar tudo o que está acontecendo, mas a tecnologia tem ajudado bastante: as câmeras têm a capacidade de identificar automaticamente situações fora do padrão, como a presença de pedestres ou de animais na pista, carros parados no acostamento ou circulando em direção contrária à do fluxo. Em casos assim, pop-ups de alerta são emitidos para chamar a atenção dos operadores, o que contribui decisivamente para assegurar a segurança, a fluidez do tráfego e a agilidade no atendimento de situações como acidentes e quebras de veículos.

Este é um exemplo típico do uso de inteligência artificial nas rodovias, um conceito que nem sempre é bem compreendido. “Todos os recursos automáticos que substituem a capacidade da mente humana podem ser considerados inteligência artificial”, explica Marcelo Araraki, engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e fundador da BlueLab, empresa que desenvolve e implementa robôs para automação de atendimento a usuários de empresas e serviços. Outro conceito correlato é a inteligência aumentada, que acelera a velocidade de processamento da mente humana para ajudar na compreensão de uma situação complexa e na tomada de decisões. No caso das rodovias do futuro, muito será feito também por conta do processamento de um grande volume de dados, obtidos em uma grande variedade de fontes, dentro da tendência conhecida como big data.

Araraki chama a atenção para o fato de que, no futuro de maior conectividade dos veículos e da infraestrutura rodoviária, os deslocamentos se tornarão uma fonte importantíssima de informações sobre consumidores – o que permitirá, por exemplo, que a publicidade exibida à beira da rodovia seja adaptada aos interesses de cada viajante, de forma semelhante ao que já ocorre quando usamos a internet em um notebook. “Hoje buscamos uma informação sobre determinado assunto e logo aparece um anúncio ou um e-mail de propaganda relacionados àquele assunto. Essa mesma lógica será vista nas rodovias”, prevê. Um avanço nesse sentido será a implantação de tecnologia de conexão Wi-Fi em toda a extensão da Arteris ViaPaulista.

Ver comentários