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13 de setembro de 2017

Abolir “achismo” e apertar fiscalização é vital para diminuir acidentes

É possível reduzir pela metade o número de mortes nas estradas em dez anos? Esse foi o desafio lançado pela ONU por meio da Década de Ação pela Segurança no Trânsito (2011 a 2020). Governos do mundo todo passaram a buscar saídas e formular políticas públicas para diminuir óbitos nessa área, e logo ficou claro que a base precisa ser a coleta de informações – de modo preciso, continuado, organizado e comparável, sem espaço para achismo. Alguns dos programas com melhores resultados até agora se fundamentam nesse processo.

Um deles é brasileiro: o Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, programa criado pelo governo de São Paulo em 2015 para contribuir no cumprimento das metas das Nações Unidas. “Nosso ponto de partida foi a unificação da base de dados”, afirma a coordenadora Silvia Lisboa. Em todos os 645 municípios do Estado foi aplicada a mesma metodologia. “Com estatísticas confiáveis, asseguramos uma análise acurada que nos permite identificar perfis de vítimas e tipos de acidentes.”

Dados que viram vida

Todos os números ligados a ocorrências desse tipo alimentam o Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (Infosiga SP). Com a compilação dos resultados, evidenciou-se, por exemplo, que colisões entre veículos são o tipo mais frequente. Que quase metade dos acidentes acontece à noite e nos fins de semana. E que os jovens com até 29 anos são um quarto das vítimas; os homens, 80%.

A garimpagem dos dados mostrou ainda que 94% dos casos são provocados por comportamento de risco do motorista, com destaque para misturar bebida e direção, exceder o limite de velocidade, dispensar cinto de segurança e, mais recentemente, usar celular ao volante.

A partir da identificação desses pontos críticos, o movimento se reuniu com o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e concessionárias de rodovias para definir uma série de ações mitigadoras. Em nível municipal, as análises baseadas no Infosiga geram planos e convênios entre prefeituras, o movimento e o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran).

O trabalho tem produzido frutos. Em 2014, ano anterior ao lançamento da iniciativa, foram registradas 5.170 mortes entre abril e dezembro. No mesmo período de 2015, a cifra recuou para 4.583. No ano passado, nova queda: 4.366.

De acordo com Silvia Lisboa, uma estratégia fundamental para cum- prir as metas da ONU é trabalhar com campanhas de conscientização e mudança de comportamento de motoristas – e também passageiros e pedestres. “A formação do condutor influencia nesse processo, assim como a educação de nossas crianças. São ações fundamentais para mitigar o risco hoje e criar uma nova cultura no trânsito”, comenta.

É necessário, ainda, manter a fiscalização, “impondo limites importantes” para garantir “um trânsito mais seguro e humano”. Outra providência é melhorar a infraestrutura das vias. A coordenadora do programa governamental avalia que a política de concessões contribui nesse objetivo.

“A expressiva melhoria das condições de segurança revela que as diretrizes traçadas e as metas estratégicas para as 21 concessionárias de rodovias estaduais paulistas são eficazes. Passamos a investir mais em ações para reduzir a quantidade e a gravidade dos acidentes, e temos observado a diminuição do número de mortos e feridos na malha estadual paulista sob concessão”, concorda o gerente de segurança e sinalização da Artesp, Carlos Campos.

Sucesso europeu

O acompanhamento meticuloso de indicadores também esteve presente num dos países da Europa onde o declínio dos acidentes foi mais rápido: a Espanha. Entre 1995 e 2015, a taxa despencou 70,6%, e hoje é uma das menores do continente (3,6 por 100 mil habitantes).

“Dados confiáveis são essenciais para a tomada de decisões e medidas de monitoramento. A transparência é fundamental para ganhar a confiança dos cidadãos”, defende o engenheiro Pere Navarro, diretor geral de Tráfego na Espanha entre 2004 e 2012, período no qual a taxa de óbitos caiu de 11 para 4 por 100 mil habitantes.

Outro pilar importante foi a estabilidade administrativa: por oito anos, manteve-se a mesma equipe no comando da política de segurança nas rodovias. “A mudança contínua de pessoal tem efeito negativo. Aprendemos que a segurança rodoviária não é de direita ou esquerda. É uma política de Estado que precisa ser feita, e você deve fazê-la bem.”

Essa equipe decidiu enfatizar campanhas de conscientização. Colocou vítimas reais e familiares como personagens de peças de propaganda, dando-lhes voz e visibilidade. O objetivo principal era sensibilizar a população por meio de um conteúdo que despertasse a atenção das pessoas, gerando condenação social das condutas arriscadas.

“A mensagem a transmitir não é ‘você pode se matar’, mas ‘você pode matar outra pessoa’. E nada será como antes: você não terá como se olhar no espelho, vai carregar isso o resto da vida. Também é necessário explicar que, se beber, não basta não conduzir. Caso alguém com você esteja bêbado, é sua responsabilidade não deixá-lo dirigir”, diz Navarro.

Iniciativas desse tipo, porém, precisam ser acompanhadas de fiscalização. “Uma boa campanha pode até reduzir os acidentes em 5% mas, se não houver acompanhamento, após seis meses retornaremos ao ponto de partida.” Na Espanha, o foco foram comportamentos básicos: não dirigir embriagado, usar cinco de segurança e capacete.

O ideal, segundo o especialista, é que anualmente ao menos um quarto dos condutores seja submetido ao bafômetro. Assim, evita-se a sensação de impunidade: todo motorista terá algum conhecido que passou pelo teste e saberá que cedo ou tarde será sua vez.

Navarro acrescenta que a concessão de estradas à iniciativa privada teve papel significativo em seu país, ao contribuir para melhorar a infraestrutura viária. “As empresas concessionárias querem e devem associar sua imagem à segurança. Além de melhorar as condições das estradas, podem ser um motor muito poderoso para promover a cultura da segurança rodoviária ”, aponta.

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