O planejamento financeiro tem conquistado espaço no Brasil com crescimento líquido de 490 novos planejadores certificados em 2017 pelo CFP® (Certified Financial Planner), um aumento de 16,8% (nos últimos cinco anos, o salto foi de mais de 100%). Esse movimento é especialmente significativo quando se trata de um país com um passado inflacionário que deixou traumas e níveis de educação financeira muito baixos (o Brasil é a 27a nação preocupada com o tema, em um ranking de 30, segundo levantamento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“Até então, quando alguém precisava lidar com investimentos, procurava o gerente do banco, um profissional multitarefa que quebrava o galho. Só que esse profissional tem muito trabalho e talvez não consiga se dedicar a pensar em planos de longo prazo, justamente a área onde o brasileiro dá seus primeiros passos”, diz Evandro Pereira, CEO da Genial Investimentos.

Lidar com números, metas e produtos financeiros complexos não é uma tarefa fácil, daí a criação de um novo campo de trabalho. Os planejadores financeiros podem estar em bancos, principalmente na área de private banking, ou atuar de forma independente. Nos Estados Unidos, existem mais de 80 mil profissionais certificados pelo CFP® atuando assim. No Brasil, o número chega a 4 mil. “Uma família em Manhattan ou no interior do Alabama tem o médico de confiança, o advogado e o consultor financeiro, que ajuda a tomar todas as decisões, da casa própria à educação dos filhos. Isso ainda está muito longe da realidade brasileira”, afirma o especialista.

O mercado em expansão, mas ainda tímido, aponta para a demanda por análise global de patrimônio e o destino de investimentos, impulsionados pelas novas tecnologias. De olho em aumentar o número de clientes, profissionais ligados a finanças e à contabilidade procuram se especializar e se qualificar. O meio mais difundido é via certificação CFP®, concedida com exclusividade pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros –, após um exame, comprovação de formação acadêmica e de experiência de três anos, além da aderência a um código de ética.

Em ritmo de crescimento

“O Brasil entrou tarde nesse mercado, mas já é o 10º num universo de 26 países associados ao Financial Planning Standards Board (FPSB). Os Estados Unidos não entram na conta, pois, pela capilaridade da profissão, têm seu próprio board”, afirma Márcia Dessen, diretora da Planejar e coordenadora da comissão de certificação da entidade. “Em 2002, 100% dos profissionais que buscavam a certificação CFP® eram funcionários de bancos. Hoje, 30% não têm vínculo com instituições. O mercado é atrativo para corretores de seguros e previdência, além de contadores.”

“Estamos muito animados com a profissão. É uma das que mais crescerão no Brasil, com a entrada de jovens e de gerentes de bancos em busca de aprendizado específico. No mercado americano, muitos deixaram as instituições financeiras e se tornaram consultores independentes. Isso pode ocorrer aqui”, aponta o CEO da Genial, onde funciona uma infraestrutura digital e de compliance preparada para quem já atua nesse modelo de independência, mas precisa de um suporte operacional.

Por dentro do regulamento do setor

Dois especialistas compartilham seus conhecimentos sobre o mercado

“Fala-se em planejamento financeiro desde o começo dos anos 2000 no Brasil. Nessa época, o tema estava concentrado nos bancos. Em 2004, o Banco Central transferiu algumas responsabilidades para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que passou a acompanhar os investimentos dos brasileiros, ainda restritos. As mudanças nos pilares dos produtos financeiros e as novas ferramentas tecnológicas tornaram o mercado de fundos mais sofisticado, com uma prateleira diversificada. Esse ambiente torna relevante o papel do planejador. Há dez anos, era complicado pensar em uma arquitetura aberta de consultoria financeira. Hoje, não. O entendimento sobre risco amadureceu, ao mesmo tempo em que se buscam alternativas ao escopo tradicional. A pressão permite que novos modelos sejam criados. Com o mercado mais forte, o desafio é criar padrões de trabalho e de comportamento para autônomos e pequenas consultorias que vão se multiplicando.”

José Eduardo Brazuna, membro da comissão de advocacy da Planejar e fundador da 3 Fund Consult, empresa de governança e regulação na área de investimentos

“A situação dos planejadores financeiros é peculiar por conta dos serviços amplos e complexos que oferecem. Os profissionais não precisam ser autorizados pelos órgãos reguladores para atuar, mas, se oferecerem consultoria em valores mobiliários, precisam ser registrados pela CVM. A liberdade para atuar é grande, desde que o profissional aja em nome do cliente, e não de vantagens sobre a venda de ativos, por exemplo. Clareza sobre a atuação e os modos de remuneração são fundamentais. A regulação oferecida pela Planejar, via certificação, é suficiente, pois ela autoriza ao trabalho mediante uma prova técnica e um código de ética que cobre o aspecto multidisciplinar e flexível dessa atividade. O futuro depende dos rumos da economia brasileira. Quando ela vai bem, existe demanda da classe média espalhada pelo País para gerir melhor seu patrimônio. Mas esse cliente pode desaparecer quando a economia desacelera, e aí o planejador trabalhará para detentores de grandes fortunas, de modo mais concentrado.”

Otávio Yazbek, sócio do escritório Yazbek Advogados