Antes do resultado do segundo turno da eleição para presidente, já se sabia que, qualquer que fosse o candidato eleito, não seria possível escapar ao tema da reforma da Previdência,  uma das medidas capazes de trazer fôlego de longo prazo ao Brasil. “O País enfrenta um desafio imenso em sua agenda fiscal, e a ação mais urgente é a reforma da Previdência. Qualquer medida minimamente razoável, para começar a enfrentar os problemas [econômicos], passa pelo que o governo conseguir encaminhar em suas primeiras oportunidades”, afirma Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper e doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), tem sinalizado nessa direção. Declarou que almeja aprovar o modelo que tramita na Câmara, proposto pelo presidente Michel Temer (PMDB), ainda em 2018 – antes, portanto, da posse. Ainda que essa possibilidade se confirme, há outras tarefas urgentes no horizonte. “É só o começo. Existe um desequilíbrio estrutural nas contas públicas, que demanda uma agenda de revisão de gastos e de incentivos fiscais. Depois da lua de mel, que pode até ser mais longa do que a do governo Dilma, a crise volta se isso não for enfrentado”, diz Lisboa. Segundo o economista, os estados não conseguirão arcar nem mesmo com a folha de pagamento, quanto mais garantir serviços públicos essenciais. “Caso o novo governo enfrente esses temas com sucesso, aí existe oportunidade imensa de o País voltar a crescer”, completa.

A análise é baseada em um passado de intervenções errôneas, que deixaram o Brasil mal posicionado. Entre elas, uma economia fechada e complexidade excessiva no comércio exterior, com prejuízos ao crédito, ao investimento e à produção. “A redução dessas distorções deve ser feita com cautela e serenidade, porque muitos investimentos foram feitos de maneira equivocada a partir dessas mesmas distorções causadas pelo governo. Temos de reconhecer que a agenda é difícil e longa.”

O futuro ministro da Economia, superministério que deve reunir as pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio, Paulo Guedes, declarou, logo após o resultado da eleição, que é “factível” zerar o déficit fiscal em 2019. “Não é uma medida assim: vocês vão acordar à noite, de repente, teve uma medida de congelamento de preços, de ativo, não tem nada disso. Não é assim. Nós vamos anunciar blocos de medidas. Tem uma abertura gradual da economia, tem um ataque ao déficit fiscal”, disse o futuro ministro.

Investimentos estrangeiros

Para Gabriela Santos, estrategista do J.P. Morgan Asset Management para a América Latina, a confiança do investidor estrangeiro piorou no que diz respeito aos ativos de mercados emergentes como o Brasil, mas existe alguma tolerância. “Nos próximos três meses, ainda haverá paciência quanto à política econômica vinda do País. Espera-se para ver como serão executadas as reformas mais importantes para o futuro econômico e fiscal”, afirma. A desconfiança é calcada em frustrações quanto à lenta recuperação brasileira, à geração de empregos e ao crescimento salarial baixo. “Depois de uma recessão tão forte, já deveríamos ter visto um rebote importante, o que aponta para medidas pragmáticas diferentes.”

A especialista segue a visão de Marcos Lisboa, do Insper. Para melhorar o ânimo, a iniciativa número um é mirar a questão fiscal. “Quando havia onda de liquidez e menos tensões comerciais, o investidor aceitava uma situação fiscal longe do 100%, mas agora os emergentes têm sido mais punidos, e não é possível esperar.”

Segundo a estrategista, a euforia do passado e até mesmo quanto ao resultado das eleições acabou. “Sabe-se que não existem soluções fáceis e rápidas, até porque, sem o endereçamento correto, os problemas voltam de maneira expressiva.” A aposta deve ser na realidade, com consistência e ao longo do tempo. Para os investidores, a recomendação é buscar oportunidades ativamente, além de diversificar os riscos e horizontes (Estados Unidos, Europa e Ásia), considerando alocações estruturais da carteira, para tempos bons e ruins.

Além do otimismo

Veja quais são as medidas necessárias para o País no curto prazo

Quando as primeiras pesquisas eleitorais apontavam para a vitória de Jair Bolsonaro, o mercado financeiro já reagia positivamente. A onda segue, graças aos primeiros anúncios feitos pela provável pasta da Economia, a cargo de Paulo Guedes. Para Marcos Lisboa, do Insper, esse otimismo superficial é perigoso, porque obscurece os fatos, sobretudo quanto a números que não batem e direcionam, assim, para medidas insuficientes.

“Vimos isso em 2014 e 2015. Em julho, quando ficou claro que o governo não entregaria o que era necessário, a ficha caiu, a curva de juros se abriu, e a crise começou. O cenário de hoje aponta para um desconhecimento, pois, até o momento, o novo governo ainda não se entende quanto à implementação de uma agenda, que deve ser mais técnica e menos ideológica: o que será privatizado? Quanto valem as empresas? Os números batem? Como serão resolvidos os problemas dos estados?”, questiona. “Não é uma agenda simples. É  preciso capacidade de negociar, conseguir maioria no Congresso e encaminhar soluções. Não há espaço para repetir erros ou prometer números impossíveis de entregar.” Feito isso, a economia deve reagir rapidamente.