Na busca por soluções tecnológicas de mobilidade, pilar fundamental no conceito de cidade inteligente, algumas cidades vêm se destacando pelo pioneirismo e pela inovação adotados no desenvolvimento de novas alternativas. Com novidades que variam da criação de barcos autônomos compartilhados ao uso de pequenos casulos para transporte em curtas distâncias, cidades como Amsterdã, Londres, São Francisco e Barcelona despontam como modelos para outros grandes centros. Para a diretora executiva do Instituto Cidade em Movimento, Luiza de Andrada e Silva, as cidades que estão integrando e utilizando as informações geradas pelos diversos modais de transporte estão no caminho certo. “São cidades que não estão olhando apenas para a mobilidade, mas para uma política pública mais abrangente, que leva em conta tudo o que envolve a qualidade de vida da população urbana”, afirma, citando como exemplo a política de redução de circulação de automóveis adotada por Paris.

Outro ponto destacado pela especialista é a necessidade de integrar diferentes demandas. Em Nova York, por exemplo, a criação do chamado High Line (foto em destaque) – parque suspenso que usou o local ocupado por uma antiga via férrea abandonada – transformou um espaço que era obsoleto, mas, ao mesmo tempo, elevou os valores dos imóveis e expulsou alguns moradores da região. “É um caso de política pública que não foi pensada em sua totalidade”, diz. Andrada e Silva lembra que as cidades que estão se destacando, como São Francisco e Londres, estão pensando projetos que abusam da análise de dados em políticas públicas. “Eles estão prestando atenção aos alertas que as informações geradas estão dando. O big data pode, por exemplo, identificar processos de gentrificação (quando a revitalização urbana acaba ‘expulsando’ a comunidade de baixa renda e atraindo moradores de camadas ricas) e ajudar o poder público a garantir a composição mista dos bairros e evitar a formação de guetos”, defende.

O sócio da AT Kearney no Brasil, Mark Essle, concorda e lembra que a possibilidade de troca de informações é essencial para uma cidade inteligente. Para ele, todas as metrópoles precisam contar com uma estratégia de criação de bancos de dados, uma base comum onde as informações serão compartilhadas. “Isso é importante porque a cidade é ainda uma excelente solução para o ser humano, e ela tende a ficar cada vez maior”, afirma. Justamente por isso, a eficiência desses grandes centros vai depender, por exemplo, da redução do tráfego de carros e caminhões.

Essle lembra que, graças à sofisticação de sensores e à longa duração de suas baterias, é possível hoje coletar e trocar informações dos mais diversos tipos. Por exemplo, é possível determinar o fluxo de pessoas que entram e saem dos parques, ajudando a planejar melhor a limpeza e a segurança desses locais. “Esses dados permitem a troca de informações entre a cidade e seus habitantes. Em Barcelona, por exemplo, o uso de transporte coletivo é uma experiência interativa”, diz.

LÍDERES EM INOVAÇÃO

Para identificar de forma mais criteriosa as cidades que estão liderando esses movimentos, a AT Kearney realizou no ano passado o estudo Global Cities 2017: Leaders in a World of Disruptive Innovation. O estudo resulta em dois rankings. No primeiro, chamado Index, estão as cidades que se destacam hoje; no segundo, o Outlook, estão aquelas com maior potencial de desenvolvimento no futuro.

Para chegar ao resultado, o relatório avalia as cidades do Index com base em 27 métricas, divididas em cinco dimensões: atividade econômica, capital humano, compartilhamento de informações, experiência cultural e engajamento político. Já as cidades do Outlook são avaliadas em 13 métricas e quatro dimensões: bem-estar pessoal, economia, inovação e governança.

Uma combinação das cidades presentes entre as top 25 das duas listas cria o que a consultoria chama de elite global, formada hoje por 16 cidades (veja quadro abaixo). Entre elas, algumas são consideradas modelo quando se fala em mobilidade aplicada ao conceito de cidade inteligente: Londres, São Francisco e Amsterdã. Para Essle, Barcelona só não entra na lista final porque não figura entre as top 25 no Outlook.

De acordo com o executivo, os destaques na área de mobilidade não ocorrem por acaso. Em Amsterdã, por exemplo, o estímulo de políticas públicas fez com que 32% do tráfego da cidade hoje seja composto por bicicletas. “Eles também estão introduzindo o conceito de economia circular, que leva em conta o ciclo de vida do produto e reduz a logística que envolve o transporte de coisas entrando e saindo da cidade”, explica

Fonte: Global Cities 2017 / AT Kearney

Para Essle, aliás, Amsterdã é uma das mais interessantes do ponto de vista de inovação em transportes, o que ele atribui ao tamanho da cidade e à abertura e criatividade da população. A cidade holandesa já conta, por exemplo, com um sistema de transporte inteligente, totalmente integrado, que permite iniciar uma viagem de metrô e terminar de bicicleta, com todos os modais pagos com o mesmo cartão, numa espécie de bilhete único turbinado. “O conceito foi pensado de acordo com a rota do usuário, e tudo foi integrado em um sistema prático e fácil de usar”, diz. Barcelona é outro exemplo citado pelo executivo. A cidade, no início dos anos 2000, já contava com uma grande quantidade de sensores de trânsito. Em 2011, o governo municipal criou uma plataforma e um padrão comum para a troca de informações, possibilitando integrar sistemas dinâmicos como os de estacionamento e de monitoramento de tráfego, por exemplo.

INOVAÇÃO E TECNOLOGIA

Tallin, a capital da Estônia, nos últimos anos, vem se transformando em um importante centro tecnológico da Europa. Lá é possível votar pela internet, e a assinatura digital é aceita na maior parte das transações comerciais. Com a excelente cobertura 5G, seus cerca de 450 mil habitantes têm acesso, por meio de aplicativos, às informações em tempo real sobre rotas, horários e localização dos ônibus, trens e bondes que circulam pelas ruas da cidade.

Integração inteligente

Veja os projetos de algumas cidades consideradas modelo

São Francisco investe na tecnologia para expandir sistema de transporte e privilegiar a mobilidade

São Francisco
Parte de uma rede internacional de cidades que compartilham melhores práticas, que inclui ainda Paris e Barcelona, a cidade norte-americana vem utilizando a tecnologia para expandir seu sistema de transporte, privilegiando a mobilidade. A San Francisco Municipal Transportation Agency (SFMTA) vem trabalhando para melhorar o trânsito ao mesmo tempo em que cumpre metas ambientais, como a emissão zero de carbono. No ano passado, a companhia recebeu 11 milhões de dólares do Departamento de Transportes dos Estados Unidos para aplicar em seis projetos que têm por objetivo reduzir os congestionamentos e criar um sistema de transporte mais seguro e eficiente: novas faixas de alta ocupação para uso de transporte público e carros compartilhados; espaços de embarque e desembarque para carros compartilhados; sinais de trânsito inteligentes; corredores de segurança para pedestres e ciclistas; sistema de pedágio eletrônico para cobrança de congestionamento; implantação e teste de ônibus autônomos e eletrônicos.

Sensores indicam vagas de estacionamento em Barcelona

Barcelona
A cidade está repensando seus projetos. Reconhecida como pioneira em inovação tecnológica urbana, a cidade espanhola conta hoje com mais de 500 quilômetros de fibra ótica instalada, wi-fi gratuito roteado via iluminação pública e sensores que monitoram qualidade do ar, vagas de estacionamento e latas de lixo. Depois de se tornar referência em internet das coisas (IoT), Barcelona quer ser a pioneira em internet dos cidadãos. Os sensores serão utilizados para reduzir o volume de água utilizado nos parques da cidade e também para garantir serviços mais confiáveis para a população. Nas áreas de estacionamento, por exemplo, a cidade utiliza sensores que indicam quais vagas estão livres. Além de ajudar os motoristas a encontrar local para estacionar, o sistema aumentou a receita dos estacionamentos.

Amsterdã
O governo local está desenvolvendo, em parceria com o Massachusetts Institute of Technology (MIT), o projeto RoBoat. É um esforço para criar uma frota de barcos autônomos, que vão transportar bens e pessoas, além de investigar como os canais da cidade podem ser utilizados para amenizar o tráfego e aumentar a qualidade de vida de seus moradores. O objetivo final é o desenvolvimento de uma plataforma de logística inteligente que vai utilizar a rede de canais de água da cidade. Além da infraestrutura de transporte, o projeto também prevê o uso de sensores para monitorar a qualidade da água e fornecer dados que serão utilizados nas áreas de saúde pública, poluição e meio ambiente.

Londres
A cidade criou, em 2013, o Smart London Board, que vem priorizando a criação de políticas e estratégias que possam ampliar o uso de tecnologia digital entre a população. Para isso, o conselho tem atraído profissionais de diversos setores com o objetivo de encontrar soluções inovadoras e eficientes. Na área de mobilidade, a cidade assumiu o compromisso de investir 4 bilhões de libras em vias de transporte nos próximos dez anos. Em 2011, a cidade inaugurou o Heathrow pod, um sistema de transporte rápido que serve o Aeroporto de Heathrow, conectando o terminal 5 com as áreas de estacionamento. O sistema é formado por 21 pods públicos e autônomos, que circulam em uma pista própria de 3,9 quilômetros. O sistema eliminou o uso de ônibus, que faziam 70 mil viagens por ano, ou o equivalente a 100 toneladas de dióxido de carbono emitidas anualmente.