Nesta entrevista, Ana Guerrini (foto abaixo), diretora de Pesquisas e Políticas Públicas da 99, fala sobre como a economia compartilhada está mudando os hábitos das pessoas e como os serviços de aplicativos fazem os usuários gastarem menos dinheiro e ganharem tempo em seus deslocamentos pelas cidades. Além disso, ela revela como as informações captadas por milhares de motoristas parceiros da 99 podem ajudar as metrópoles no planejamento urbano e na gestão do trânsito.

No atual cenário de economia colaborativa em que vivemos, as pessoas deixam de adquirir alguns tipos de bens em prol de compartilhá-los. Como você entende a existência de uma economia colaborativa na mobilidade urbana?

As pessoas estão compreendendo que não precisam possuir as coisas para desfrutá-las. É uma tendência que começamos a ver em outros segmentos e indústrias, como da hospedagem ou locação de imóveis. E, na mobilidade, cada vez mais as pessoas têm preferido utilizar carros, mas não ser donas de carros. Entre os jovens, isso é ainda mais comum. O carro é caro, e os jovens já estão percebendo que vale mais a pena financeiramente pedir um transporte por aplicativo.

Uma das nossas pesquisas na 99 mostra que, se uma pessoa faz dois deslocamentos por dia, somando menos de 12 km, é mais barato vender o carro e usar o 99Pop. E olha só: examinando a Pesquisa Origem e Destino do Metrô, é possível notar que dois terços dos deslocamentos realizados por paulistanos em seus carros ficam dentro de um raio de 5 km do seu ponto de origem. Então, essas pessoas poderiam vender seus carros e usar serviços por demanda. Na Região Metropolitana de São Paulo, a gente estima que 1,38 milhão de pessoas, que realizam 3,7 milhões de viagens por dia de carro, sairiam na vantagem se trocassem o carro próprio por 99Pop. Essas pessoas economizariam, em média, mais de R$ 3 mil por ano.

Além do impacto financeiro, a economia colaborativa na mobilidade urbana traz outros benefícios?

Com certeza. O principal impacto será a redução do congestionamento nas grandes cidades. Este tipo de serviço, além de mais barato, é um transporte cada vez mais rápido, mais disponível, sem preocupações com estacionamento ou com a necessidade de encher o tanque. “Transporte como serviço” significa exatamente isso: pedir um transporte por meio de um aplicativo, sob demanda, sempre que você quiser e onde estiver, e chegar aonde você precisa da melhor maneira possível. Quanto mais intensivamente cada carro for usado por várias pessoas durante o dia, menos carros irão circular pelas ruas. Para cada duas pessoas que compartilharem suas rotas, teremos um carro a menos por aí – o que melhora muito o congestionamento. Significa também menos poluição e estresse e mais espaço público para as pessoas – espaço que antes era ocupado por carros.

E em relação ao ganho de tempo, o que os aplicativos de mobilidade podem proporcionar?

Proporcionam muita economia de tempo. As pessoas que antes possuíam carro estão percebendo que é mais eficiente pedir carros por aplicativo, quando e onde precisarem. Elas não perdem tempo procurando vagas para estacionar e podem usar o tempo que estão dentro do carro para fazer outras atividades, como trabalhar, estudar, falar com amigos ou assistir a filmes no celular. Já as pessoas que não possuem carro e tinham que fazer muitas integrações para chegar a pontos de transporte público de massa, como o metrô, percebem que, hoje, ao compartilhar um carro com outros passageiros que estão fazendo a mesma rota até uma estação, economizam tempo e dinheiro.

E as cidades, de maneira geral, também se beneficiam da entrada dos aplicativos de mobilidade?

Sim, também se beneficiam. Como eu disse, os serviços de mobilidade intermediados pelos aplicativos são capazes de diminuir os congestionamentos. Ainda por cima, ao gastar menos tempo buscando estacionamento, aumentamos nossa produtividade. Estima-se que o custo econômico da busca por uma vaga nos EUA, no Reino Unido e na Alemanha seja de 189 bilhões de dólares por ano. Os aplicativos podem ajudar ainda a melhorar o acesso das pessoas às redes estruturais de transporte. Os passageiros usam o serviço sob demanda para percorrer o que chamamos de “primeira milha” e “última milha”, que são os trajetos de casa até uma estação de metrô ou terminal de ônibus ou, no sentido contrário, do metrô ou terminal até a residência. Portanto, pode-se oferecer uma opção em regiões ou em horários em que manter toda uma rede de transporte público pode ser ineficiente.

E, de maneira indireta, qual é o impacto? Por exemplo, os dados da 99 podem ajudar o poder público no monitoramento do trânsito das grandes cidades?

Sem dúvida. Os milhares de dados que todos nós criamos quando utilizamos alguma plataforma digital podem ser extremamente úteis para auxiliar a gerir a infraestrutura e os serviços de uma cidade. Aplicativos de mobilidade como o da 99 podem oferecer às cidades inteligência sobre como as pessoas se movem, o que pode ajudar e muito o planejamento urbano e de tráfego. A 99 já está fazendo algumas parcerias neste sentido. Por exemplo, no começo do ano, a empresa respondeu a um chamamento público da Prefeitura de Porto Alegre para um projeto de monitoramento do trânsito no município e se tornou parceira da gestão municipal na criação de um mapa de fluidez, que indicará, entre outras coisas, as velocidades dos trechos das vias hora a hora, a cada dia da semana. Tendo essas informações como subsídio, a administração municipal pode tomar melhores decisões, como, por exemplo, potencializar ajustes de sinalização semafórica e, em casos de ocorrências de trânsito, entender a melhor maneira de reverter o sentido das vias. A 99 também tem uma parceria com a Vital Strategies e a Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito que pode diminuir o número de vítimas de acidentes de trânsito na cidade de São Paulo. Examinamos as informações de corridas da 99 feitas durante as madrugadas dos finais de semana e oferecemos aos gestores públicos de São Paulo análises que podem ajudá- los a prever zonas de risco e maximizar a eficiência no posicionamento de operações de educação e fiscalização. Cooperamos, ainda, com o Metrô Rio em um projeto de integração de modais. Um dos nossos estudos da 99 mostrou que um quinto das corridas realizadas no Rio de Janeiro tem origem ou destino em estações de metrô, de trem, BRT, balsa, ou terminais de ônibus. Desenvolvemos, então, junto com a concessionária, um cartão especial para os moradores do Rio de Janeiro, que oferece desde agosto do ano passado cinco viagens de metrô mais descontos em corridas com a 99. Esse projeto oferece uma opção de deslocamento na primeira e na última milhas, em situações carentes de transporte público. Enfim, as informações da plataforma podem auxiliar bastante a gestão de infraestrutura e de serviços.

Como você acha que a mobilidade urbana vai evoluir nos próximos anos?

Bom, todo o mercado de mobilidade urbana está sendo reinventado. Montadoras automobilísticas não estão produzindo apenas carros, mas desenvolvendo tecnologia. E estão investindo no desenvolvimento de carros autônomos. Praticamente todas as empresas automobilísticas estão investindo nisso, assim como as próprias empresas de tecnologia. A consolidação dos carros autônomos é capaz de mudar substancialmente a organização das cidades. E é possível que, em alguns anos, vejamos também veículos customizados para o uso de ride-hailing – por exemplo, vans produzidas especialmente para serem compartilhadas por vários passageiros. Enfim, as novidades poderiam levar, de alguma maneira, ao fim da noção de carro próprio. Como eu disse, as pessoas já têm percebido que é mais proveitoso usar o tempo no carro para fazer outras coisas ou que é mais interessante financeiramente usar aplicativos de mobilidade. Carros autônomos e compartilhamentos móveis de transporte poderiam expandir essa sensação.