Medida Provisória 703

Entenda as regras que pretendem facilitar os acordos de leniência no Brasil

A preservação da atividade produtiva e a justa medida no combate à corrupção

Augusto Neves Dal Pozzo  e  Renan Marcondes Facchinatto

Augusto Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto (Fotos: Rodrigo Capote/ Divulgação e Arquivo Pessoal)

Ninguém duvida de que combater a corrupção é uma tarefa importantíssima do poder público. Mas, a que preço? Até onde se justifica atuação punitiva do Estado, tendo em vista o intrincado equilíbrio de relações jurídicas que a atividade econômica, em geral, representa? O advento da Lei Anticorrupção foi muito festejado e recebido, por muitos, como a medida que tornaria ainda mais efetivos os mecanismos de investigação, punição e combate à corrupção.

Todavia, mesmo com o incentivo à participação voluntária de empresas envolvidas em prática ilícitas, a Lei não previu mecanismos para equilibrar a atividade punitiva do Estado considerando-se uma preocupação fundamental: punir sem aniquilar a atividade produtiva.

Os benefícios inicialmente previstos atenuavam muito pouco a pesada carga de penalidades que recairia sobre a empresa, quando, na verdade, a maior preocupação tem de ser com a cessação do ilícito e a busca da recomposição de danos. A punição se tornou uma protagonista e não uma figura devidamente harmonizada com o quadro mais amplo de outros interesses públicos também relevantes.

Com a MP 703, promove-se, justamente, maior efetividade à Lei Anticorrupção, na medida em que, desde o início do processo, é fomentada a participação ativa e conjunta do Ministério Público e demais órgãos de controle que, em contrapartida, abrem mão dos mecanismos tradicionais de punição em troca de colaboração efetiva.

O pacote de “benefícios”, por assim dizer, torna mais atrativa a iniciativa da empresa em delatar atos de corrupção: com o abrandamento das penalidades sobre a empresa delatora, passa a haver melhores condições para sua preservação enquanto núcleo de atividade produtiva, gerador de renda e recolhimento de tributos com o propósito de não aniquilar sua existência. Trata-se de prestigiar a aplicação do princípio da “função social da empresa”, segundo o qual ela deve servir aos interesses da sociedade enquanto mecanismo de indução à geração de trabalho e riqueza por meio do impulso à cadeia produtiva, em detrimento de sua completa extinção.

Por mais que sejam aplicadas sanções aos atos ilícitos praticados, a empresa deve continuar exercendo suas atividades, com a manutenção dos contratos públicos ativos e com o imediato estancamento de eventuais fontes de corrupção. Isso é fundamental para que a sociedade não sofra ainda mais, agora não por conta da prática de atos lesivos à Administração, mas pelo agravamento de uma séria crise econômica que assola o País.

A prática de atos de corrupção, por mais dolorosa que possa ser para sociedade, não pode propiciar uma completa destruição da atividade empresarial: isso seria mais ou menos como receitar um “remédio que mata o doente”.

> Augusto Neves Dal Pozzo é professor da PUC- SP, presidente da Comissão de Infraestrutura da OAB e sócio do Escritório Dal Pozzo Advogados

> Renan Marcondes Facchinatto é advogado do Escritório Dal Pozzo Advogados