Medida Provisória 703

Entenda as regras que pretendem facilitar os acordos de leniência no Brasil

A MP 703 e seus aprimoramentos

Rafael Valim e Pedro Estevam Serrano (Fotos: Robson Cesco/Divulgação e Ed Viggiani/Estadão Conteúdo)

Rafael Valim e Pedro Estevam Serrano (Fotos: Robson Cesco/Divulgação e Ed Viggiani/Estadão Conteúdo)

Após semanas de intenso debate público em torno da Medida Provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015, que dispõe sobre os chamados “acordos de leniência” na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), é chegado o momento da discussão, no âmbito do Congresso Nacional, sobre sua conversão em lei.

O Ibeji – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura, desde a primeira hora, posicionou-se favoravelmente à Medida Provisória por entender que as novas regras proporcionam, a um só tempo, o ressarcimento dos prejuízos decorrentes da conduta ilícita, a aplicação de sanções contra a pessoa jurídica e a continuidade da atividade empresarial condicionada à implementação de um rigoroso programa de integridade (Carta Aberta publicada no site do Ibeji, em 4 de janeiro de 2016).

Tal apoio institucional não significou, naturalmente, o reconhecimento da perfeição da Medida Provisória, senão que traduziu uma tentativa, diante da barbárie que assola o País, de contribuir para a preservação dos progressos introduzidos por aquela norma.

Temos agora uma oportunidade valiosa para avançar ainda mais, suprindo, de modo desapaixonado e à luz de exitosas experiências internacionais, decisivas lacunas do programa de leniência previsto na Lei Anticorrupção.

É neste contexto que oferecemos modestíssimas sugestões de aprimoramento ao texto original da Medida Provisória, a fim de que o acordo de leniência se converta em um virtuoso instrumento de prevenção e combate à corrupção.

De plano, seria fundamental estender os efeitos do acordo de leniência aos dirigentes, administradores e empregados envolvidos nas infrações, nos mesmos moldes do programa de leniência em matéria de defesa da concorrência (art. 86, § 6º, da Lei nº 12.529/2011). No modelo atual, a colaboração é desestimulada, na medida em que os funcionários – cujos patrimônio e liberdade estão expostos à persecução do Estado – dificilmente produzirão provas contra si próprios apenas para beneficiar a empresa.

Diretamente vinculada à ampliação dos efeitos dos acordos de leniência às pessoas físicas se coloca a necessidade de atribuição de consequências penais a estes ajustes. Nestes termos, sob a inspiração, uma vez mais, do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o integral cumprimento do acordo de leniência implicaria a extinção da punibilidade dos crimes a ele relacionados. Diferentemente do universo concorrencial, entretanto, em cujos domínios a imputação de efeitos penais se dá sem a participação do Ministério Público (art. 87 da Lei nº 12.529/2011), entendemos recomendável a participação do órgão ministerial no acordo, enquanto titular da ação penal.

Outro ponto de grande relevância é a conjugação, em qualquer hipótese, da supressão das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar com a Administração Pública com a eliminação da sanção restritiva ao direito de receber incentivos de órgãos ou entidades públicas ou de contrair empréstimos com instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público (art. 19, inc. IV, da Lei Anticorrupção). Em mercados como o de infraestrutura, dependentes de incentivos e financiamentos do Estado, é rigorosamente inútil a supressão isolada das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar com o poder público. Elas terão o direito de contratar com o poder público, mas serão incapazes de desenvolver os projetos de infraestrutura por absoluta falta de capital.

Nos estreitos limites deste artigo, cabe-nos uma última sugestão. Julgamos oportuna a explicitação dos deveres de motivação e tratamento isonômico na celebração dos acordos de leniência. Embora constituam princípios constitucionais da Administração Pública de geral conhecimento, não é demais reforçar que todas as autoridades envolvidas nos acordos de leniência, inclusive Ministério Público e Advocacia Pública, devem motivar adequadamente as suas decisões e adotar a mesma solução jurídica em casos iguais.

> Rafael Valim é presidente do Ibeji – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura e professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC-SP

> Pedro Estevam Serrano é 2º vice-presidente do Ibeji – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP