Medida Provisória 703

Entenda as regras que pretendem facilitar os acordos de leniência no Brasil

A MP 703 e as teorias da conspiração

Emerson Gabardo (Foto: Robson Cesco/ Divulgação)

Emerson Gabardo (Foto: Robson Cesco/ Divulgação)

Tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da nova legislação a respeito de combate à corrupção desde 2012, quando se intensificaram as discussões na comissão especial da Câmara a respeito do Projeto de Lei 6826/2010. Vendo agora textos na imprensa afirmando que não ocorreram discussões e que tudo foi aprovado de forma apressada, penso como a desinformação (e infelizmente a opinião deturpada por concepções ideologicamente comprometidas) tornou-se a regra em questões polêmicas como esta. O mesmo vale para a MP 703/15. A discussão foi intensa, com a participação de empresas, academia e interessados, a partir do projeto gestado na CGU. Obviamente, as manifestações de 2013 colaboraram para que a lei 12.846 fosse aprovada, mas havia interesse a respeito do assunto, inclusive em nível internacional. O problema, portanto, não foi a ausência de discussão ou qualquer aprovação apressada, mas sim a falta de temperança no resultado final.

Desde o início era claro que a lei tendia a não ser aplicada – como realmente não foi. O exagero em vários temas tornou- a pouco atrativa, notadamente o tema do acordo de leniência – um dos pontos cruciais da nova legislação. A MP 703, portanto, é resultado de correções necessárias e discutidas durante a tramitação do projeto de lei. O resultado está longe do ideal, mas ao menos agora a lei está apta para tornar-se realidade – tanto é assim que, finalmente, foi aplicada.

O acordo de leniência só é relevante e eficaz se for atrativo para o delator (e quem não puder conviver com isso, então, deve atacar o instituto da delação em si). Na redação anterior a atratividade era muito pequena. Explico: quem faz o acordo é a pessoa jurídica. Todavia, ela não existe no plano real. Depende de seres humanos, que podem ser presos ou ter seu patrimônio pessoal comprometido. Qual empregado vai fornecer provas contra si mesmo (podendo ser preso por causa disso), para beneficiar a pessoa jurídica? Mesmo que seja o dono da empresa, a situação não muda.

Por isso, uma das correções necessárias, desde o início, era estender benefícios às pessoas físicas em relação às penas da lei de improbidade e da legislação criminal (nesta seara, ainda há espaço para avanços no texto). Outra era permitir a mais de uma entidade a possibilidade de delatar. Não acredite, portanto, em qualquer “teoria da conspiração” contra o texto original da lei.

Uma terceira mudança dizia respeito justamente à previsão expressa de competências para o Ministério Público. O mesmo vale para o Tribunal de Contas. Na redação atual confirma-se o dever de atuação das duas entidades de controle – e não o inverso. Particularmente à situação do Tribunal de Contas, a medida provisória nada mais fez do que explicitar como será feita a
fiscalização cuja competência já está na Constituição (que, pela peculiar natureza do instituto, deve ser feita a posteriori). Não se nega o poder de cautela (prévia) do Tribunal de Contas. Mas tal órgão não é gestor e sim fiscalizador.

Quanto ao Ministério Público, parece absolutamente imprescindível sua atuação prévia e concomitante ao acordo. Se o MP não quiser acordo, não vai ter. Simples assim.


>
Emerson Gabardo é professor titular de Direito Administrativo da PUCPR, professor adjunto de Direito Administrativo da UFPR e pós-doutorado pela Fordham University School of Law