PARABÉNS, SÃO PAULO!
A maior metrópole brasileira completa 466 primaveras num jardim regado a conquistas e muitas lutas! Neste dia festivo, vamos relembrar um pouco da história desta apaixonante cidade
POR Anna Melo
“Começou um novo dia… São Paulo que amanhece trabalhando; São Paulo que não sabe adormecer; porque durante a noite, o paulista vai pensando… nas coisas que de dia vai fazer…”
Billy Blanco
Realmente, a nossa cidade não para, e hoje completa mais um ano de vida. Uma existência que tem muito para contar e comemorar. É fato que a necessidade de diminuir as desigualdades sociais e ter um lugar mais igualitário vai ser sempre a luta dos paulistanos, paulistas, e apaixonados por São Paulo. Mas, como nasceu a nossa cidade? O que fazer para minimizar as discrepâncias sociais? Quais experiências nossa Sampa pode ensinar? Para responder estas indagações convidamos alguns historiadores que compartilham do mesmo amor por São Paulo.
Para Diego Amaro de Almeida, coordenador do curso de História do UNISAL (Centro Universitário Salesiano), a história de São Paulo não está distante do restante do Brasil. Porém, o que marca o nascimento de nossa cidade foram as missões realizadas pelos jesuítas, ocorridas em 25 de janeiro de 1554. “Neste sentido, destacam-se Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, que são os jesuítas mais conhecidos pelos brasileiros até a nomeação do Papa Francisco”, conta.
Segundo professor Almeida os jesuítas eram responsáveis pelo processo de catequização, “civilização” dos povos nativos do Brasil e também por implantar em nosso país e em outras colônias de Portugal uma das primeiras metodologias de ensino Ratio Studiorum, um tipo de estudo relacionado aos ensinos dos colégios romanos, a filosofia de Aristóteles e teologia de Santo Tomás de Aquino (leia Fique por dentro).
Para o professor, outras figuras importantes da história desta metrópole foram os Bandeirantes que acabaram sendo reconhecidos pela descoberta do ouro e pedras preciosas em Minas Gerais e pela expansão do país. “Uma conquista que só aconteceu por consequência da União Ibérica que acabou com o Tratado de Tordesilhas e permitiu que esses paulistas avançassem as fronteiras brasileiras”, explica. É por isso que Almeida acredita que sermos um país de dimensões continentais e mérito dos paulistas, assim como outras importantes vitórias. E o professor ainda vai mais longe ao dizer que vencemos a Revolução de 1932, pois o nosso objetivo foi alcançado ao ter no Brasil uma nova constituição promulgada.
“Tudo isso se deve a São Paulo. São muitos os feitos deste município e de seus filhos” defende.
No século XIX o café tornou a cidade de São Paulo o maior polo industrial e empresarial do país. “Sua localização e possibilidades geográficas foram a receita perfeita para que aquilo que colhemos hoje pudesse acontecer”, relembra. Complementando a opinião do colega, Renato Mota Duarte, professor de História titular na rede municipal de ensino de São Paulo, psicólogo e psicopedagogo, conta que depois que a cidade nasceu houve o impacto causado pela chegada dos povos europeus, a aproximação com os nativos, a invasão de seus territórios, a escravização, o extermínio e a catequização. “Na sequência chegaram os povos africanos escravizados. Neste processo, houve a importância de nossa cidade, pois servia de intermediária entre o litoral e o interior do Brasil, onde se buscava capturar índios e, principalmente, encontrar ouro e pedras preciosas”, ressalta.
Por fim, o historiador brasileiro, professor da Universidade Estadual de Campinas, especializado em história da América, Leandro Karnal, mostra que a nossa cidade tem como marca a sua diversidade. “De 1554 até hoje, São Paulo nunca teve apenas uma língua, uma fé, um tipo físico ou um valor unificado, pois sempre foi um poderoso mosaico unido pela ideia de uma vida melhor. “A força da cidade sempre repousou sobre a diversidade. Dela também derivaram muitos momentos de violência. Porém, se eu identificasse um valor maior que seja a base do que é hoje a imensa metrópole, é quando ela entende que é diversa e que isto é bom”, contemporiza.
Portanto, São Paulo surgiu em uma missão jesuítica em 25 de janeiro de 1554 quando reuniu como primeiros habitantes pessoas de origem europeia e indígena. Passaram-se muitos anos e a cidade se tornou o principal polo comercial e de serviços. Uma característica que acompanhou toda a história e atingiu o apogeu após o crescimento do ciclo vindo do café.
“São Paulo surge pela presença dos povos indígenas que aqui habitavam e se desenvolviam de acordo com seus costumes, depois houve o impacto causado pela chegada dos povos europeus, a aproximação com os nativos, a invasão de seus territórios, a escravização, o extermínio e a catequização. Na sequência chegaram os povos africanos escravizados. Neste processo, houve a importância de nossa cidade, pois servia de intermediária entre o litoral e o interior do Brasil, onde se buscava capturar índios e, principalmente, encontrar ouro e pedras preciosas”,
sintetiza Renato Mota Duarte, professor de História titular na rede municipal de ensino de São Paulo, psicólogo e psicopedagogo.
FIQUE POR DENTRO
Ratio Studiorum significa Plano e Organização de Estudos da Companhia de Jesus, ou seja, a coletânea das experiências vivenciadas no Colégio Romano com observações pedagógicas de diversos colégios com o objetivo de instruir os jesuítas sobre a natureza, a extensão e as obrigações do cargo de professor. Compreende 467 regras que cobrem todas as atividades dos agentes ligados ao ensino. O Ratio orienta que o professor nunca se afastasse do estilo filosófico de Aristóteles e da teologia de Santo Tomás de Aquino.
SAIBA MAIS
Conheça a obra “IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo”, organizada pelo Professor Arnolfo de Azevedo.
SEM DESIGUALDADES: UTOPIA?
A cidade surgiu, cresceu, e se emancipou. Ao lado de belezas como o Parque do Ibirapuera, museus, a bela Av. Paulista, os bairros dos Jardins e do alto da Lapa, vemos um amontoado de casas, favelas, e mais de cem mil desabrigados. O que fazer para minimizar estas discrepâncias?
Para professor Almeida os problemas enfrentados são frutos de uma desigualdade social que é tão antiga quanto o Brasil. “Todo o processo de exploração da mão de obra e do trabalho escravizado levou a isso. Sem dúvida os problemas gerados pela má execução em relação aos deveres que os brasileiros deveriam seguir após a abolição é resultado deste processo”, diz.
E Almeida vai mais a fundo da questão ao dizer que com a imigração e migração isso se agravou.
“Falta o nosso comprometimento e de nossos gestores públicos. Todos podemos auxiliar nesse processo, pensar no projeto da cidade, do estado, do munícipio que queremos”,
afirma.
Para ele precisamos de um projeto de educação, pois estamos entrando em um novo modelo de sociedade e se isso não for pensado rapidamente, essa diferença só tem a piorar. “Temos visto crescer dificuldades de aprendizado de leitura e interpretação, como faremos com os avanços para os filhos da Inteligência Artificial?”, lamenta.
Da mesma opinião, o professor Duarte sugere como solução a melhoraria da distribuição de renda em âmbito nacional a fim de diminuir as desigualdades e cessar a pobreza. “Acabar com este quadro aviltante de aglomerados humanos sem qualidade de vida e vulneráveis a todo tipo de violência”, lastima.
Enquanto professor Karnal afirma que não se trata de justiça social, caridade ou sentimento político. “Diminuir a exclusão prática e teórica hoje é ser estratégico para a sobrevivência do futuro de São Paulo. Nunca existirá uma rua possível, bonita ou feia, nos jardins ou nas comunidades, se houver tantos moradores sem uma mínima dignidade”, defende.
“Se o Brasil é um trem, São Paulo é a locomotiva”,
relembra professor Almeida.
SÃO PAULO AVANTE!
Com todas as diferenças gostamos é de nosso lar. Muitas pessoas vão para fora ou outra cidade, mas acabam voltando. “Afinal, é o lugar que nos reconhecemos e está aquilo que somos” diz Almeida. Soma isto a cidade ser um local atrativo e confiável, porque nela encontramos com qualidade e de última geração tudo o que procuramos. “É em São Paulo que descobrimos como resolver a maioria dos nossos problemas. Médicos, educação, locomoção… caminhos e roteiros que nos ligam por todo o Brasil. Produtos e consumo. História e cultura”, comemora.
Agora, o nosso avanço acontece, porque esta cidade está sempre ligada e antenada com as novidades. “Eu acredito que a dificuldade de alguns seja mais pela falta da educação, pois entendo que é possível criar oportunidades em uma cidade que oferta tanto como São Paulo”, ressalta.
Enfim, uma cidade rica em possibilidades só pode se tornar um cartão postal para quem não a conhece como também um motivo para voltar quem nasceu aqui e hoje mora fora. “A cidade que não para e não dorme é um lugar que soube aproveitar as perspectivas de sua posição histórica e geográfica. São Paulo não só foi cenário, mas é também palco da história. É impossível pensar em Brasil, sem pensar nesta cidade, berço de muitas revoluções e inovações”, resume Almeida.
SÍMBOLO DE SÃO PAULO
O Museu do Ipiranga é o lugar que o professor Almeida prefere. Para ele o Brasil independente tem seu marco inicial nesta cidade. “E foram os recursos desta cidade que foram essenciais para que o império se sustentasse. São Paulo não parou somente naquele dia 22 de setembro de 1822, que ecoa até a nossa atualidade, quando percebemos que é aqui que as pessoas enxergam a terra das oportunidades, o lugar para transformar sonhos em realidade”, conta. O professor ainda ressalta que o museu guarda importantes obras da nossa história e precisamos conhecer, pois só quem conhece é capaz de defender e lutar por um futuro tão rico quanto o passado. “Máculas, todos territórios possuem, mas olhemos para o que temos de melhor, a fim de criarmos identidade com a história, o lugar que fazemos parte”, enfatiza.
“São Paulo é rica em tantos aspectos: arquitetônico, cultural, gastronômico, histórico… e é quase possível dizer que ao visitar São Paulo, você conheça muito da cultura global, da riqueza que veio através da imigração e da migração”,
ensina o professor Almeida.
Já para o professor Duarte existem diversos lugares que representam São Paulo. “Eu poderia dizer que é a Vila Maria, bairro da zona norte onde nasci e que é um marco da ocupação da comunidade portuguesa na cidade, ou a Mooca devido à grande influência italiana no desenvolvimento cultural da cidade, a Av. Paulista que é o centro financeiro e cultural da cidade, o centro velho por suas marcas de tempos”, enumera. Mas, ele considera o Pátio do Colégio, no centro da capital, o local que representa São Paulo, porque foi onde a cidade teve seu início.
Por último, o historiador Karnal escolhe a Av. Paulista.“O ponto urbano mais alto da Avenida Paulista em um domingo à tarde. Lá São Paulo se mostra como São Paulo e como diversidade, ou como palimpsesto na voz de Mário de Andrade”
MENSAGEM AOS PAULISTANOS
“Que os paulistanos sejam donos da sua história e continuem construir uma cidade forte, busquem reduzir as desigualdades tão visíveis aos nossos olhos. Cumpram o seu papel de cidadão, tomem para si o destino deste solo rico em história e tradição. Conheçam e aprimorem o conhecimento dos fatos e das pessoas que deixaram sua marca no DNA deste município. Não deixem que a voz daqueles que já se foram se calem diante da modernidade”.
Diego Amaro de Almeida, coordenador do curso de História do UNISAL
“Que construam uma cidade menos desigual. Que preservem o restante das matas que circundam a cidade, que escolham seus representantes (políticos) entre aqueles que de fato têm projetos que visem o bem-estar da população como um todo, especialmente daqueles que vivem nas periferias. Que olhem para a juventude como quem se olha para o futuro da cidade. Que valorizem políticas públicas que visem uma cidade mais humana e menos desigual”.
Renato Mota Duarte, Professor de História titular na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, Psicólogo, Psicopedagogo:
“Um conservador inglês do século XVIII, Edmund Burke, disse que cada pessoa tem um compromisso entre o passado e o futuro. Não podemos ignorar a realidade do trabalho dos paulistanos nativos e imigrantes em 466 anos da cidade. Recebemos uma realidade complexa, contraditória e rica. Também não podemos destruir, porque existe um compromisso com os filhos, os netos e todos que virão. A pergunta é como a nossa geração aqui e agora, 2020, cuidará da cidade que recebeu e entregará aos filhos e aos netos. Entregará uma São Paulo melhor, mais humana, mais limpa e mais cheia de sonhos? Tenho muito orgulho de morar aqui há mais de 32 anos e ter feito vida e carreira em solo paulistano. Sou grato a São Paulo por ter amparado meu projeto de vida. Cada um de nós deveria pensar nas pequenas e grandes coisas que podem marcar os próximos anos deste sonho feito cidade”.
Leandro Karnal é um historiador brasileiro, professor da UNICAMP, especializado em história da América.