As queixas feitas por canais internos só aumentam, segundo pesquisa da ICTS, empresa de consultoria, auditoria e serviços em gestão de riscos. Além de possibilitar a descoberta de irregularidades, a comunicação permite que as companhias identifiquem e atuem sobre suas vulnerabilidades e seus riscos operacionais, econômicos, sociais e políticos. Nesse sentido, um canal de denúncia tem um escopo diferente de outros canais de atendimento que funcionam como ouvidoria ou serviços como o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) e o Fale Conosco.

“Tratar denúncias não é a mesma coisa que tratar sugestões e reclamações”, afirma Cassiano Machado, sócio diretor da ICTS, empresa de consultoria, auditoria e serviços em gestão de riscos. Ele
afirma que a criação de um canal específico deve observar alguns critérios para que possa ser considerada parte efetiva de um programa de integridade. Entre eles, uma estrutura de comunicação e gestão segura para que as pessoas possam, inclusive de forma anônima, apontar irregularidades
e comportamentos contrários à ética corporativa ou aos valores exigidos pela empresa.

De acordo com Machado, o interesse pelos canais de denúncia aumentou porque a busca por mecanismos de compliance e transparência também cresceu. Além disso, desde janeiro deste ano, uma portaria da Controladoria Geral da União (CGU) e dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento determina que órgãos e entidades públicas ou privadas que celebrarem convênios ou contratos de repasse com o governo federal mantenham um canal de comunicação. O mesmo é exigido das instituições financeiras, de acordo com resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) de abril deste ano. A portaria deixa claro que o canal deve permitir o recebimento de denúncias sem
a necessidade de identificação.

“Tratar denúncias não é a mesma coisa que tratar sugestões e reclamações” Cassiano Machado, ICTS

 

Tipos de denúncia

O levantamento realizado pela ICTS dá uma ideia das denúncias que costumam ser feitas por esses canais. O estudo considera 140 mil relatos registrados pela empresa, que atende de forma terceirizada centenas de companhias brasileiras de diferentes portes, segmentos e regiões do País. Em 2014, na primeira versão do estudo, a taxa média foi de 15,3 denúncias por mês por empresa. Em 2016, dois anos após a primeira edição, a taxa média por mês, por empresa, foi de 22,3, um incremento de 45,7%.

Do total, 44,3% se referem a relacionamentos interpessoais. Neste âmbito, os casos mais recorrentes
são de práticas abusivas, como assédio moral e sexual, agressão física, discriminação e preconceito (27,8%). Delação de ilícitos e de má intenção somam 32,8%. Situações como violações às leis, favorecimento ou conflito de interesses, fraude, roubo, furto ou desvios de materiais representam 28,1%. Por sua complexidade e natureza, esses canais devem ser independentes e operacionalizados
por uma empresa externa e autônoma. “São situações delicadas que exigem um atendimento capacitado para ouvir com dignidade e respeito quem está do outro lado”, afirma André Almeida,
sócio da GRCompliance. Para ele, é preciso fazer uma pré-classificação do material para avaliar a qualidade da denúncia e verificar se tem consistência e precisa ser investigada ou se é apenas uma reclamação. “Essa independência e especialização estimulam os relatos e trazem confiabilidade ao serviço.” Ainda segundo Almeida, “as pessoas precisam ter segurança para apontar situações em desacordo com a ética e a transparência no trabalho”. Além de proporcionarem um acesso rápido (por telefone, website, aplicativo), os canais devem estar disponíveis o dia todo e resultar em condução
de averiguações e em ações efetivas dos desvios relatados.

Percepção dos colaboradores

A cada dois anos, a AES Corporation, do setor de energia, realiza uma pesquisa com seus colaboradores para medir a percepção com relação ao programa de integridade, identificar se houve melhorias e a importância dada ao seu canal de denúncias. O AES Helpline é um canal de comunicação disponível ininterruptamente para esclarecimento de dúvidas, sugestões ou para reportar eventuais violações do guia de valores ou dos princípios éticos da companhia. Segundo o levantamento, cerca de 70% dos funcionários confiam no serviço, o que demonstra a sua eficácia para fomentar o debate sobre essas questões.

Segundo Alencar Lehmkuh, diretor-jurídico do Grupo Tigre, a empresa de soluções para o setor de construção civil também recebe centenas de sugestões e denúncias de todos os tipos no seu canal de denúncia. Elas são selecionadas por uma empresa terceirizada, que oferece um serviço de telefone gratuito (0800), atendido por ouvidores treinados, telefone gravado para funcionários, colaboradores
e parceiros que não se sintam à vontade para conversar ao vivo por telefone, ou disponibiliza uma página na internet.

Alencar Lehmkuh, da Tigre: “Essa não é uma ferramenta para punir, nosso objetivo é que as políticas da empresa sejam cumpridas”

Da mesma forma, na Petrobras, o canal de denúncia é uma maneira de ampliar o comprometimento da organização com a transparência e a ética. As denúncias são recebidas por uma empresa independente contratada para essa finalidade e encaminhadas à Ouvidoria-Geral, área responsável por tratar, apurar, acompanha, responder e comunicar os resultados ao Comitê de Auditoria Estatutário e ao Conselho de Administração, ao qual está vinculada. Seu objetivo é possibilitar o relato imediato de situações que podem causar perdas financeiras e danos à imagem da companhia.

O site da Ouvidoria da Petrobrasesclarece o público sobre o encaminhamento das solicitações, denúncias, demandas e mediação de conflitos (https://ouvidoria.petrobras.com.br/portal/ouvidoria/pt_br/oque-fazemos.htm). Também explicita que demandas serão repassadas às áreas responsáveis para o seu tratamento, guardando a confidencialidade e o sigilo necessários.