A cultura da gestão de risco evolui devagar, mas de modo crescente nas empresas brasileiras. Alinhada com a tendência mundial, a percepção entre as organizações no País é de que esse é um elemento-chave para crescer, atingir metas importantes, criar valor e, principalmente, permanecer no mercado. O objetivo é identificar, antecipadamente, as principais ameaças, situações e circunstâncias que podem aumentar as chances de que violações ou práticas ilícitas venham a ser cometidas. E esses riscos são de várias naturezas.

“Hoje, não existe gerente ou executivo que não tenha a percepção dos impactos e das repercussões de suas decisões relacionadas a questões legais, financeiras, operacionais, ambientais e sociais”, exemplifica Roberto Zagarra, vice-presidente sênior de prática de consultoria de riscos na América Latina da Marsh Risk Consulting. No entanto, constata o especialista, ainda existe um espaço grande para que essa prática seja fortalecida e aprimorada no dia a dia empresarial. “Não adianta falar em riscos se não houver uma cultura de ética e valores na empresa que seja viva, permanente e disseminada desde a alta administração até os escalões inferiores”, afirma Zagarra.

Essa cultura precisa ainda ser incorporada, como constatou pesquisa da Marsh deste ano com 330 empresas de dez países da América Latina em diversos setores da economia. Segundo esse estudo, 46% das empresas pesquisadas ainda estão em estágio inicial com relação ao conhecimento do apetite a riscos (quanto risco uma organização está disposta a correr para atingir seus objetivos) e apenas 12% definiram políticas para comunicar
e utilizar o apetite de riscos para a tomada de decisões nos diferentes riscos e áreas da organização.

A necessidade de disseminar mais a cultura de risco do ponto de vista estratégico levou o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) a desenvolver uma segunda edição do seu caderno sobre o tema. “O foco agora não é mais a metodologia, mas a disseminação e o aprimoramento do modelo em várias funções dentro da organização”, explica Mercedes Stinco, coordenadora da Comissão de Gestão de Riscos do IBGC. Todos os agentes, incluindo o conselho de administração e os comitês de auditoria, devem ter um papel claro na identificação de riscos, seus impactos e monitoramento.

NOVOS DESAFIOS

As incertezas na economia, questões climáticas e de segurança, geopolítica, além dos avanços tecnológicos, têm transformado os riscos tradicionais nas empresas, acrescentando maior urgência e complexidade a desafios antigos, de acordo com a Pesquisa Global sobre Gestão de Riscos 2017, da consultoria e corretora de seguros Aon. Realizado a cada dois anos, o levantamento verifica quais as principais preocupações e ameaças aos negócios na percepção dos executivos de médias e grandes empresas. Danos à reputação e à marca são as principais questões hoje. “Chama a atenção também
o risco de ataque cibernético, que não estava no foco há dois anos e hoje está em quinto lugar”, ressalta Eduardo Takahashi, diretor comercial de infraestrutura da Aon Brasil.

Segundo Takahashi, a gestão de risco permeia quatro grandes pilares: financeiro, operacional, de mercado e governança: “As empresas têm consciência dos perigos inerentes a cada um desses pilares, mas ainda falta a percepção da interconexão entre eles”. Essa visão mais integrada começa a se disseminar também no treinamento dos funcionários e nos comitês de auditoria. Esse não é um assunto novo nas disciplinas de finanças, de projetos e de operações. No entanto, a visão integrada, sistêmica e estratégica demanda um novo olhar para essas questões. “O risco não ocorre em
pontos da produção, mas no processo inteiro e na relação com todos os agentes. E sua avaliação deve ser permanente e atualizada”, completa Fábio Lotti Oliva, professor de gestão de risco corporativo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Eduardo Takahashi, diretor comercial de infraestrutura da Aon Brasil.

PRÁTICA SE ESTENDE A PARCEIROS E FORNECEDORES

Além de todos os agentes envolvidos nas atividades organizacionais, também fornecedores e parceiros operacionais externos devem ter claro o entendimento de que a gestão de risco é parte integrante do cotidiano das empresas. É nesse contexto que são adotadas as chamadas Due Diligence de Integridade (DDI) e Background Check de Integridade (BCI), que se realizam previamente à contratação de prestadores de serviço e de pessoas designadas para posições-chaves nas companhias, com o objetivo de identificar os compromissos com as melhores práticas de ética corporativa, que visam subsidiar os gestores antes da tomada de decisões. Para reforçar as boas práticas na cadeia de fornecimento e de parceiros e, ao mesmo tempo, disseminar nas empresas a percepção de que não adianta só olhar para dentro, grupos de empresas e associações estão se unindo para criar uma plataforma única de DDI, com o objetivo de estabelecer critérios padronizados de sustentabilidade e compartilhar as avaliações e auditorias na cadeia de valor. É o caso da iniciativa “Juntos pela Sustentabilidade”, que reúne seis multinacionais da área química e teve a assessoria da Fundação Espaço Eco, criada e mantida pela Basf do Brasil. “Se tivessem que atender diversas plataformas, esses fornecedores precisariam disponibilizar recursos e tempo”, afirma Juliana Maria da Silva, gerente da área de sustentabilidade aplicada da Fundação. “Dessa forma, concentramos esforços e disseminamos uma visão sistêmica na cadeia de valor.” A preocupação também permeia as atividades da AES Tietê. “Fazemos a avaliação dos fornecedores com especificações que atendem pré-requisitos antes de iniciar os contratos, e a certificação de qualidade ao longo da execução”, diz Anderson Oliveira, diretor de operações da empresa. Segundo ele, a preocupação com a segurança e a gestão de risco são os valores número 1 da companhia.

Anderson Oliveira, diretor de operações da AES Tietê

PROCESSO REPLICADO

Da mesma forma, a Petrobras criou em 2015 um processo de DDI de seus fornecedores que começa a ser replicado, ou seja, os fornecedores da empresa estão aplicando a avaliação em quem fornece para eles, gerando um movimento que melhora o ambiente de negócio em toda a cadeia de valor. Método semelhante está sendo adotado em relação aos gestores da companhia, avaliados antes de assumirem a função. Além disso, equipes de diversos segmentos na Petrobras zeram o mapeamento de todas as 21 categorias de riscos da companhia, de forma a dar segurança ao cumprimento das metas estabelecidas nos planos de negócios.

Os problemas identificados e descritos na elaboração do mapa servem de insumo para a definição de iniciativas de monitoramento e controle daqueles que podem afetar significativamente o cumprimento de objetivos estratégicos, a segurança, a imagem e o valor econômico da Petrobras, aumentando a chance de ações preventivas e contribuindo para que a empresa possa responder aos desafios de um mercado competitivo e em evolução.

Visando fortalecer ainda mais o gerenciamento de risco, a Petrobras reorganizou a estrutura da área, promovendo no final de 2016 a sua migração da Diretoria de Governança e Conformidade para a Diretoria de Estratégia, Organização e Sistema de Gestão. O objetivo principal foi aprofundar a integração e o alinhamento com o planejamento estratégico da companhia. Essa junção contribuiu para que que fossem disponibilizadas informações
de riscos para a alta administração e para que o processo de gestão de risco na empresa fosse visto como uma atividade permanente, em que todas as pessoas e áreas participam e contribuem para o processo.