Um dos pressupostos do conceito de globalização é a quebra, ou redução, das fronteiras. Entre os resultados disso está o crescimento das possibilidades de construção de uma carreira internacional. Para os membros da geração Millennial, trabalhar fora do País não é apenas um sonho, mas uma realidade que depende apenas de preparação e planejamento.
Quem está indo
Um exemplo é o de Leonardo Dias, 24 anos, recém-formado em administração e de malas prontas para se mudar para a Itália. Ele conta que, desde os tempos de faculdade, quando buscava programas de estágio, levava em conta o aprendizado que teria, já imaginando participar de um programa de trainee que o levasse para fora do País. “Eu tinha isso como objetivo”, afirma.
Tanto é assim que desde os tempos de colégio ele se preparou para isso, e o primeiro passo foi aprender inglês, que era intermediário quando ele conseguiu uma vaga de estágio na Siemens. “Desde minha primeira visita à Siemens identifiquei o potencial de fazer carreira fora. As pessoas que me entrevistaram vivenciaram o que eu estava buscando e isso foi fundamental na minha decisão”, revela.
Durante o estágio, ele continuou aprimorando o inglês. Nas primeiras férias que tirou na companhia, fez um intercâmbio de um mês no Canadá. Em paralelo, procurava aprender mais sobre os processos da empresa como um todo, e não apenas sobre sua área. Foi nesse período que ele conheceu também diversas das unidades fabris da companhia. “Saindo do estágio, estabeleci uma carreira internacional como meta e, nas minhas interações com a empresa, sempre deixei claro meu desejo”, explica.
Para Leonardo, as opções mais claras eram os Estados Unidos, por conta do inglês, ou a Alemanha, país sede da Siemens. Nem um, nem outro: a oportunidade surgiu na Itália. No Brasil, Leonardo teve uma chefe alemã que há pouco tempo foi transferida para a Itália e o convidou para acompanhá-la. “Lá eu vou cuidar da controladoria de operações e performance da fábrica. Hoje faço controladoria de negócios. Será uma função nova para mim”, comemora.
Ele afirma que a vaga veio dois anos antes do que esperava e que ela vai permitir que ele conheça todos os processos de uma fábrica. “Ponderei com muito cuidado e acho que essa oportunidade vai agregar muito”, diz, lembrando que sua meta, em médio prazo, é a Alemanha.
Quem foi há pouco
Outro profissional que também apostou na preparação foi Fabricio Migues, 34 anos, há cinco meses diretor de comunicação global da Visa. Ele conta que o desejo de trabalhar fora do Brasil veio aos 17 anos, quando passou um ano nos Estados Unidos, concluindo o ensino médio. “Aquela experiência abriu horizontes. Não é a mesma coisa de viajar por dez ou 15 dias e me fez ter essa vontade de continuar fora”, comenta.
Ele teria continuado nos Estados Unidos, mas o único meio na época era se alistando no Exército. Fabrício preferiu voltar ao Brasil, onde fez a faculdade de jornalismo. Foi estagiário na área de comunicação da Volkswagen por dois anos, onde trabalhou por mais dois anos depois de efetivado. Dali ele passou pelo Jornal da Tarde e a revista Auto Esporte. Nesse período, tomou conhecimento de alguns cursos que poderia fazer na Europa.
“Fiz uns cálculos, realizei os testes, larguei tudo e fui para a Espanha fazer mestrado em gestão de marketing”, diz. O curso era ministrado em inglês e a convivência com 40 alunos de 29 nacionalidades diferentes foi fundamental para moldar o que ele chama de uma “cabeça mais internacional” e a habilidade de lidar com diferenças.
Depois de um ano e dois meses na Espanha, ele retornou ao Brasil. De volta à área de comunicação corporativa, passou pela Burson-Marsteller, JAC Motors e outra agência menor. No final de 2012, veio o convite da Visa, considerado por ele como o grande ponto de sua virada. “É uma multinacional com presença no mundo todo e, na entrevista, perguntei se haveria a possibilidade de um a dia me transferir. Me disseram que sim, mas que havia um caminho a trilhar, inclusive melhorando o inglês”, diz.
Desafiado, ele começou a estudar inglês novamente e passou a aproveitar todas as viagens aos Estados Unidos para construir uma rede de relacionamento dentro da companhia. O convite para se mudar para São Francisco veio no final de 2015, cinco ou seis anos antes do que ele imaginava. “Aqui há um misto de sorte com oportunidade e trabalho. O fato de eu ter tido experiência internacional pesou muito. Minha forma de pensar mudou e isso foi fundamental. Eu me tornei outra pessoa e, dali em diante, essa oportunidade foi sendo construída”, acredita.
Hoje ele é o responsável pela comunicação global da Visa para a área de risco e autenticação. Seu foco é a criação de alinhamento da matriz com as diversas regiões do mundo, criando produtos que possam ser utilizados em todos os mercados. “Sou a ligação entre os times locais e o time global e da empresa com a imprensa americana”, explica.
Fabrício diz que o trabalho é desafiador, mas que a oportunidade de manter contato com diferentes equipes na América Latina, Europa e Ásia é enriquecedora. Ele lembra que seu atual contrato não tem data de retorno e que seu objetivo é continuar aprendendo e evoluindo, talvez com a oportunidade de se mover para outra região, em uma função diferente. Mas não agora. “Estar em São Francisco, trabalhando em uma empresa de tecnologia nesse momento do mercado é fantástico. Tudo o que se vê de evolução sai daqui. Nesse fase, não me imagino saindo daqui, mas vejo minha carreira evoluindo globalmente”, afirma.
Quem já estava
Com 32 anos, Fellipe Gliorsi vive na Europa há dois anos e meio. Ele passou dois anos e três meses em Coventry, na Inglaterra, e há três meses mudou-se para Gotemburgo, na Suécia. Ele é desenhista industrial formado pelo Mackenzie e desde 2007 trabalha com design de produtos.
Fellipe conta que sempre gostou muito de design, embora não tivesse noção de como era trabalhar com design de produtos. Nascido em Osasco (SP), Fellipe estudou a vida toda na Fundação Bradesco, onde se destacava nas aulas de educação artística. “Sempre gostei de desenhar e fui seguindo o que eu gostava”, diz.
Quando terminou o ensino médio, fez um curso de técnico em informática. Foi nessa época que sofreu um sequestro relâmpago. “Sempre tive o sonho de sair do Brasil. Depois do sequestro, decidi ir embora”, conta. Ele tinha 19 anos e trabalhava desde os 16. Ele vendeu o carro, reuniu suas economias e foi para a Austrália. A ideia inicial era estudar design por lá, mas o curso era muito caro.
Um ano depois estava de volta ao Brasil e começando o curso de desenho industrial no Mackenzie. Ele continuava trabalhando para pagar a faculdade. Inicialmente com informática, mas à medida que avançava no curso começou a participar de processos seletivos em sua área. O primeiro trabalho foi como designer na Oakley.
Ainda na faculdade, conheceu alguns profissionais que trabalhavam com design automotivo. Essas pessoas haviam participado de um workshop na faculdade e disseram para Fellipe que iriam promover um curso informal da ferramenta utilizada por elas. Ele fez o curso e conseguiu um computador emprestado com um amigo para treinar em casa. Ali descobriu no que queria trabalhar.
Em 2008, aos 24 anos, Fellipe passou em um processo seletivo na General Motors e foi contratado como modelador. Ele trabalhou na empresa nos sete anos seguintes, tendo participado do desenvolvimento de modelos como Cobalt, Spin e Onix, além dos americanos Colorado e Canyon (projeto que o levou a passar três meses em Detroit).
Fellipe era modelador sênior na GM quando seu LinkedIn foi visto por um headhunter da Jaguar Land Rover. “Entre o primeiro e-mail e meu embarque para a Inglaterra, foram apenas três semanas, com todos os contatos sendo feitos por e-mail ou telefone”, lembra. Fellipe reconhece que foi uma aposta, já que ele não fazia ideia do que o esperava na Europa. Mas foi assim mesmo.
Os primeiros meses foram difíceis, e em alguns momentos ele questionou a própria escolha. “Eu era modelador sênior na GM, já fazia projetos inteiros. Cheguei a pensar se estava fazendo a coisa certa, mas fui em frente. Fui conquistando espaço e as coisas decolaram. Hoje acho que foi a melhor decisão que tomei na vida”, diz.
Com passaporte italiano, Fellipe optou por trabalhar como pessoa jurídica, recebendo por hora como consultor automotivo. Ele ficou dois anos e três meses na Inglaterra e há três meses foi convidado para trabalhar na Volvo Caminhões, em Gotemburgo (Suécia). “Comecei de novo. Gosto dessas mudanças”, brinca.
O novo contrato tem um ano de duração, mas Fellipe afirma que as perspectivas ali são muito boas, já que há muitas empresas novas se instalando na Suécia. Ele revela ter recebido outros convites, mas que deve ficar por ali algum tempo, mas não muito. “Tenho o sonho de trabalhar com carros superesportivos, então vamos ver”, provoca.