Camila Achutti chegou há cerca de seis anos ao primeiro dia de aula do curso de Ciências da Computação na USP com a certeza de que o plano desenhado por ela e seus pais tinha dado certo. O combinado foi investir numa boa escola particular no ensino médio e se livrar de uma faculdade paga. Meta atingida, a jovem estava feliz de ter entrado numa universidade pública e liberado as finanças da família, que já eram curtas, de mais essa despesa no final de cada mês. Além disso, tinha conquistado a vaga no curso desejado desde criança, quando via o pai programando em Cobol (linguagem de programação muito utilizada em ambientes e programas corporativos) e achava lindas aquelas telas cheias de símbolos ininteligíveis.
Porém, ao final do primeiro dia de aula Camila voltou para casa chorando e com uma vontade enorme de desistir. Além de ser um dos pouquíssimos alunos que não tinham experiência em programação, o que tornava todo o restante do curso aparentemente impossível de acompanhar, ela era a única menina na sala. “Quando olhei à minha volta e não vi nenhuma mulher na classe tive a sensação de que estava no lugar errado”, lembra Camila. “Mas eu estava enganada.”
Seguindo os conselhos da mãe, voltou no dia seguinte para tentar mais uma vez e, dentro da universidade, foi pesquisar sobre as mulheres no curso de computação. Descobriu que na década de 70 quase 70% dos alunos eram mulheres. “Fui, então, tentar descobrir o que tinha acontecido de lá para cá. O que afastava as meninas dos cursos como o meu. E assim nasceu meu blog Mulheres na Computação”, conta a jovem empreendedora. Ela lembra que o blog, que hoje é apenas uma de suas inúmeras atividades, abriu muitas portas e, mesmo sem dar dinheiro, é o responsável indireto por todo o caminho trilhado depois dele.
De lá para cá, Camila não parou mais. É hoje reconhecida como uma referência no debate sobre igualdade de gêneros no mercado de TI, foi convidada há três anos a representar o Technovation Challenge no Brasil (desafio de empreendedorismo e tecnologia só para meninas), participou por três meses do Google CS Academy (uma espécie de programa de estágio na sede da empresa na Califórnia) e, ao ser convidada a permanecer no Vale do Silício, disse não e voltou para casa. “Nunca me imaginei trabalhando numa grande empresa, mas a experiência no Google foi fundamental para que eu tivesse a certeza de que meu futuro estava mesmo na área de educação. Por isso, voltei ao Brasil e, trabalhando em horários alternativos, consegui fazer cursos e participar de seminários que me abriram a cabeça para construir minha primeira empresa – a Ponte21, que criei juntamente com um sócio para acelerar processos de inovação nas empresas e também ajudá-las a fazer a conexão entre nativos digitais e não-nativos digitais”, esclarece Camila.
Primeira mulher latino-americana a ser eleita Women of Vision pelo Anita Borg Institute, dos Estados Unidos, Camila não para e novos negócios surgem justamente porque ela precisa de muitas cabeças e braços para dar conta de tudo o que pretende fazer. No final do ano passado, ela e o sócio, Felipe Barreiros, perceberam que o maior problema da Ponte21 era relacionado a recursos humanos. Não conseguiam atender a todas as demandas por falta de equipe qualificada. Em janeiro, fizeram um boot camp para ensinar jovens a explorar novas tecnologias e atuar como a Ponte21 acredita. O interesse foi tanto que assim nasceu o Mastertech, um curso focado em treinamento imersivo de diversos conceitos da tecnologia, como Internet das Coisas e Inteligência Artificial. “Tivemos um altíssimo nível de empregabilidade e 54% de nossos alunos são mulheres”, complementa Camila.
Será que, em seis anos, construir duas empresas, escrever milhares de posts e artigos, dar palestras no País todo, ganhar prêmios internacionais, recusar um emprego no Google e impactar mais de 15 mil jovens com seu modelo de maratona de aplicativos é suficiente para fazer Camila estacionar? “Não mesmo. Mas também não penso muito nos planos para o futuro. Sigo meus propósitos de transformação pela educação, vou curtindo o caminho que estou trilhando e onde vou estar daqui dez anos? Não sei”, completa.