A indústria global está em meio a um processo de profundas mudanças, que deve culminar em novos processos de produção, novos modelos e negócios e de relacionamento entre empresas e consumidores. As causas e os impactos da chamada digitalização da indústria foram tema do debate “Digitalização como fator de inovação e produtividade”, realizado no último dia 15, na Casa do Saber, em São Paulo, com a participação de Renato Buselli, vice-presidente sênior da divisão de Digital Factory da Siemens; Luis Gustavo Mamede, gerente de sistemas da Linde do Brasil; e Jefferson de Oliveira Gomes, professor do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e diretor regional do Senai-SC.
Mas o que é a digitalização? Ela representa uma confluência de tecnologias que se baseia na comunicação entre redes, internet, big data, e na integração entre sistemas de simulação virtual e real. Com isso, a indústria digitalizada utiliza recursos virtuais desde o design até a engenharia, eliminando assim a necessidade de diferentes protótipos e acelerando o desenvolvimento do produto. Além da redução do tempo de desenvolvimento, a aplicação do conceito também permite a fabricação de produtos customizados: com o uso de sensores e chips RFID (identificação via radiofrequência), as máquinas da linha de produção podem ler as especificações de um produto e conversar entre si. Com isso, a nova indústria opera conectada a uma rede dinâmica de produção, interligada por sistemas inteligentes que integram e complementam as atividades. O novo modelo também tem a vantagem de atender a ciclos de inovação mais curtos e de aumentar a produtividade respondendo às exigências de mais eficiência no uso de energia e recursos.
Esta nova era na indústria vem sendo estimulada por três fatores: a necessidade de os países desenvolvidos retomarem suas unidades de produção, até aqui concentradas em países como a China; a escassez de recursos; e a mudança no comportamento do consumidor, hoje mais exigente e envolvido com o processo de desenvolvimento dos produtos. “No modelo tradicional, tínhamos um processo B2C (Business-to-consumer) que orientava os processos B2B (business-to-business). Agora teremos processos C2B (do cliente para o negócio)”, comenta Buselli. Este novo modelo vai exigir que as indústrias reduzam significativamente seus custos. “Teremos que ter mais tempo de máquinas funcionando, produtos com menos volume de perdas e defeitos e maior eficiência energética”, diz o vice-presidente de Digital Factory da Siemens, lembrando que a digitalização é uma resposta a tudo isso.
Mamede, da Linde, acrescenta ainda outro fator: a farta disponibilidade de informações. Mesmo hoje, já é possível armazenar uma infinidade de dados relativos a fornecedores, produtos, produção e consumo. “A grande mudança ocorre no momento em que passamos a interpretar essas informações e que o usuário começa a interagir com elas”, lembrando que a implementação de modelos profundos de análise é uma exigência do mercado e uma questão de sobrevivência.
O executivo cita o exemplo da própria Linde, que desde 2007 coleta dados de suas plantas industriais, desde sensores instalados em máquinas até o acompanhamento de processos. Com os equipamentos sensoreados, já é possível prever quando um deles vai quebrar com meses de antecedência. “Outro exemplo prático: se temos dois operadores que se revezam na mesma máquina, mas ela produz mais com um deles. Hoje eu consigo saber por que, identificar o motivo e difundir essa prática, aumentando a produção em geral”, revela.
Para Gomes, essas mudanças estão invertendo a lógica do mercado: o consumidor passa a buscar a indústria, que deve estar pronta para isso. É o que já se vê em países como Estados Unidos, China e Alemanha, onde o conceito vem ganhando força com o respaldo de novas políticas industriais. “Estes países estão todos trabalhando, analisando os impactos em suas economias e preparando políticas para isso”, afirma.
Oportunidades
Como trata-se ainda do início da onda, Buselli acredita que existe uma oportunidade enorme para que a indústria brasileira volte a participar da cadeia global. Ele lembra que isso não acontece há muito tempo e que a digitalização abre esta oportunidade. “Poderemos vender um produto lá fora, sem a necessidade de transportá-lo fisicamente”, diz, lembrando que uma das características da digitalização é a possibilidade de se levar a produção para perto do centro consumidor. “Podemos criar um produto aqui e exportar via download. Ele será impresso no local de consumo”, prevê.
Buselli reforça que o conceito traz com ele uma série de mudanças. Uma delas é a otimização dos processos de forma colaborativa. Outra é o crescimento do fluxo de dados para dentro das indústrias, que com isso poderão aprender cada vez mais sobre seus clientes. Essas mesmas informações permitirão também a geração de novos modelos de negócios.
Ele cita o exemplo de uma empresa espanhola de transportes ferroviários, que implementou sensores em seus trens. O fato de a área de manutenção conseguir antecipar, por meio da análise dos dados, quando as máquinas terão problemas permitiu que a companhia aumentasse sua eficiência e, a partir disso, desafiasse seus clientes: ela devolve o valor da passagem em caso de atraso nas viagens. Como resultado, o faturamento cresceu 40% por conta dos passageiros que migraram das companhias aéreas.
Para Gomes, a digitalização traz a oportunidade de integrar processos, dando mais inteligência aos negócios, o que também traz novas oportunidades. “Agora temos todos os elementos da cadeia muito conectados, criando uma série de novos negócios”, diz. Mais um exemplo: como a empresa antevê os problemas que a máquina poderá ter, pode fazer as requisições de peças com antecedência. Além disso, a manutenção poderá ser terceirizada, uma vez que o técnico não precisará estar de plantão na empresa.
Buselli alerta que as empresas que não estiverem conectadas perderão uma série de oportunidades: não saberão o que o consumidor quer, não terão uma produção flexível, seu custo não será adequado. “As empresas que estão investindo em digitalização estão incrementando seu faturamento em 3% ou 4% e reduzindo custos na mesma medida”, revela, ressaltando que aquelas que estiverem conectadas poderão participar de cadeias de valor em todo o mundo, uma vez que produção e conhecimento não estarão necessariamente juntos.