Uma iniciativa da Beneficência Portuguesa de São Paulo, apresentada no 3º Fórum da Saúde Suplementar, promovido pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde], nos dias 5 e 6 de outubro, no Hotel Sheraton WTC, revelou que a maior parte das indicações para cirurgia de coluna pode não ser adequada. As informações são do médico Edmond Barras, chefe do Serviço de Clínica e Cirurgia da Coluna Vertebral da Beneficência Portuguesa de São Paulo, que participou do painel “Experiências e Desafios com Órteses, Próteses e Materiais Especiais – OPME: EUA e Brasil”.

Segundo Barras, desde outubro de 2016, um colegiado formado por médicos de diversas especialidades avalia individualmente casos com prescrição de operação vertebral. Dados preliminares indicam que em cerca de 60% dos episódios, o procedimento não é o mais conveniente para o paciente. “A estatística está alinhada com a de outros trabalhos semelhantes no Brasil e no mundo”, afirma. Em 2015, foram feitas 27 mil intervenções com implantes no Brasil, a um custo de 120 milhões de dólares. “Podemos estimar que 16 mil brasileiros foram operados sem necessidade, a um gasto de 70 milhões de dólares”, alerta Barras.

A formação do colegiado começou a ser discutida em abril de 2016, por um grupo de médicos liderado por Barras. Das onze equipes de cirurgia de coluna vertebral em atividade no hospital, sete aceitaram fazer parte do programa. Na primeira parte do projeto, foram determinadas diretrizes de conduta a partir de critérios internacionais. Com base na medicina de evidências, foram estabelecidas oito patologias, que englobam 95% dos casos. Na segunda etapa veio a ação. Há um ano, as sete equipes se reúnem semanalmente para discutir situações reais de seus pacientes. Fazem parte do colegiado neurocirurgiões, cirurgiões ortopédicos, radiologistas, reumatologistas, fisiatras e especialistas em dor. O paciente só é operado quando há consenso entre os especialistas. “É como se fosse a decisão de um tribunal superior”, compara Barras.

Seres humanos em primeiro lugar

O principal beneficiado é o paciente. “Por mais perfeita que seja, uma cirurgia de coluna mal indicada terá resultado ruim”, afirma Barras, com quase 40 anos de prática na mesma instituição. “O prejuízo não é só material, mas físico e psicológico. A pessoa pode arcar com as consequências para o resto da vida.”

A experiência da Beneficência Portuguesa é semelhante ao de um projeto criado no Hospital Israelita Albert Einstein. Desde 2011, mais de 3 mil casos foram estudados em conselho, com a conclusão de que também em 60% dos casos as operações seriam desnecessárias. Na mesma linha, estudo apresentado no congresso anual da Associação Americana dos Cirurgiões Neurológicos, em 2017, revelou que procedimentos na lombar eram contraindicadas para 60% dos pacientes.

Para Barras, o elevado número de intervenções é uma questão de saúde pública. Indicações abusivas podem transformar procedimentos simples em complexos, ao exigir o uso de próteses – onde moram as fraudes. “Um material de implante custa até 20 vezes mais do que o preço de fabricação, por causa das propinas pagas a fornecedores, distribuidores, contadores de hospitais e, principalmente, aos médicos, que ficam com 30 a 40% do total”, diz ele. “Nos Estados Unidos, pessoas vão presas por isso, mas no Brasil a prática ainda não é crime.”

Baixos honorários

Remunerações subestimadas favorecem fraudes. De acordo com Barras, a tabela da Associação Médica Brasileira é a mesma desde 1992 e estabelece 600 reais para uma operação de hérnia de disco. Como um implante custa, no mínimo, 30 mil reais, tornou-se uma fonte de renda para o profissional. A formação do colegiado inibe práticas fraudulentas, pois a pessoa terá de justificar sua escolha perante os colegas. Na Beneficência Portuguesa, como os planos de saúde evitaram gastos desnecessários, foi possível pleitear honorários maiores aos médicos. Todo mundo saiu ganhando.

Outra forma de coibir cirurgias mal indicadas é o paciente ter a iniciativa de buscar uma segunda opinião. “Ninguém é dono da verdade e nada é definitivo. Médicos têm formações e experiências diversas”, diz Barras, que defende a constituição de órgãos independentes, aos quais a população possa ter acesso gratuito. A mentalidade dos pacientes já começou a mudar depois da divulgação da Máfia das Próteses. “Eles chegam ao consultório e perguntam se foram vítimas de fraude. Estamos dando mais um passo para conscientizar a população”, diz Barras.