As operadoras de planos de saúde perderam mais de 2,3 milhões de segurados nos últimos dois anos, por causa da crise econômica. No entanto, de acordo com a presidente da FenaSaúde, Solange Beatriz Palheiro Mendes, a recuperação da economia brasileira não é suficiente para equilibrar as contas e ampliar o serviço para mais pessoas. O envelhecimento da população, a redução na taxa de fecundidade e a estrutura da oferta de serviços ma saúde suplementar ameaçam a sustentabilidade do setor, se acordo com ela. A seguir, ela aponta os principais entraves e os possíveis caminhos para a área.

Em todo o mundo, a inflação médica é alta. Mas por que a brasileira é acima da média global?

A inflação médica alta é um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, chegou a 20%. Além disso, o sistema de saúde do Brasil é diferente de qualquer outro lugar do planeta. Temos o Sistema Único de Saúde (SUS), que financia e atende a integralidade da população brasileira, e problemas estruturais como: desperdícios, fraudes, incorporações tecnológicas sem a relação custo-benefício comprovada, regulação engessada que não estimula o desenvolvimento do mercado, modelo de pagamento dos profissionais de saúde baseado na quantidade de procedimentos realizados, entre outros motivos. Para piorar, a crise econômica que afeta o País provocou a saída de 2,3 milhões de beneficiários nos últimos 24 meses.

Por que é tão difícil combater abusos e fraudes no setor de saúde?

Na saúde suplementar, quem indica ou se utiliza do tratamento não é quem o financia. Para combater eventuais fraudes e desperdícios, é fundamental que todos os agentes que atuam no setor estejam comprometidos com esse objetivo. Isso envolve órgão regulador, prestadores como médicos e hospitais, operadoras de planos de saúde e o próprio beneficiário. Um mecanismo eficiente de combate ao desperdício é ouvir uma segunda opinião médica. Mais do que isso, é uma maneira de preservar a integridade física e mental dos pacientes, evitando intervenções desnecessárias, inclusive cirúrgicas.

Fatores como envelhecimento da população e avanço da tecnologia na medicina são irrefreáveis. Isso quer dizer que, mesmo combatendo fraudes e abusos, a inflação médica sempre será superior à geral?

Levando-se em conta o envelhecimento da população, a queda drástica da taxa de fecundidade e a estrutura engessada da oferta de serviços da saúde suplementar, há severas ameaças à sustentabilidade do setor. Com relação aos avanços da tecnologia, há um absoluto descontrole relacionado à utilização, internalização e distribuição de drogas e equipamentos. Somente as operadoras de planos de saúde são controladas pelo órgão regulador. Há uma ausência de políticas públicas que organizem esse sistema.

A renda per capita do brasileiro não acompanha a evolução dos custos da saúde. Estamos caminhando, em última instância, para o colapso?

Sim, essa é uma realidade em vários países. No Brasil, a despesa assistencial per capita, pelos cálculos da FenaSaúde, cresceu 138,3%, de 2008 a 2016. Neste período, a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 65,8%, e o reajuste autorizado pela ANS para os planos individuais, de 104,2%. Não é de hoje que a Fena-Saúde alerta para a necessidade de combate às causas que impactam o reajuste dos planos de saúde, em busca de oferecer o serviço para mais pessoas. Governo e a ANS precisam avançar nas medidas para conter a expansão dos custos assistenciais.

O modelo de coparticipação costuma ser apontado como uma forma de conscientizar os usuários e reduzir desperdícios. Ele não penaliza quem tem doenças crônicas?

Na contratação do plano com coparticipação, a mensalidade cobrada refletirá esse encargo por parte dos consumidores. Mas a ANS deve definir os critérios que fazem parte dessa modalidade. Procedimentos preventivos, como mamografias, normalmente não são contemplados na coparticipação.

Como a transparência pode aumentar a eficiência do sistema?

Ela pode auxiliar na formação dos custos assistenciais, especialmente na indústria de materiais e medicamentos. Esses componentes têm forte impacto nos preços dos planos de saúde. Um bom exemplo são as Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME), que respondem, em média, por 20% dos gastos referentes a internações hospitalares. Além de contribuir de forma significativa para a elevação da inflação médica, as OPME são atraentes para fraudadores. A Fena-Saúde defende que haja incentivo à disseminação de informação clara e precisa, além da promoção e valorização de atitudes éticas.

A saúde suplementar perdeu mais de 2 milhões de beneficiários nos últimos dois anos. Qual o prognóstico do setor para os próximos anos?

A saúde suplementar é diretamente influenciada pelo emprego e pela capacidade de pagamento da população. Para os próximos anos, além da volta do crescimento econômico, é preciso reformular esse modelo de regulação engessada que não estimula o desenvolvimento do mercado e não contribui para a segurança jurídica. É preciso flexibilizar as regras para atrair novamente os jovens ao serviço, principal público que deixou os planos nos últimos anos.

A judicialização da saúde só cresce no Brasil. Parte do problema não é causado pelas próprias operadoras, que não facilitam o diálogo com o usuário?

Não, hoje vivemos a judicialização da política e a politização da Justiça. Na saúde não é diferente. Além do entendimento de direito ilimitado à cobertura, alega-se frequentemente a urgência em pedidos liminares, sabendo-se da dificuldade de o juiz verificar se as circunstâncias alegadas são verdadeiras. Um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou aumento de mais de 1.300% nos gastos da União com processos judiciais referentes à saúde em sete anos. Em 2015, o valor chegou a R$ 1 bilhão. Foram detectadas ainda fraudes para obtenção de benefícios indevidos. É preciso que a sociedade se disponha a discutir questões que são frequentemente judicializadas, como: contratos antigos, reajustes anuais e por mudança de faixa etária, aposentados e demitidos, e rol de procedimentos e eventos em saúde. É preciso reconhecer que a judicialização traz uma vantagem individual, mas que se sobrepõe ao coletivo. O custo é da coletividade e não da operadora, que apenas gerencia os recursos pagos pelos seus beneficiário.

Como os chamados planos populares, ou acessíveis, vão oferecer serviço de qualidade ao usuário se o serviço é caro por natureza?

Na proposta de um plano de saúde acessível apresentado pela FenaSaúde, a estimativa de redução de custos é na ordem de 20%. Ela inclui atendimento hierarquizado, com médico generalista, coparticipação e cobertura regionalizada. O relatório da ANS apontou que diversos mecanismos apresentados já são comercializados, mas é preciso que essas regras estejam compreendidas em um único produto, o que dará racionalidade e transparência na relação entre consumidores, prestadores de serviço e operadoras, estimulando a concorrência e a aquisição do plano. A rede hierarquizada com médico generalista, por exemplo, é uma forma de diminuir custos, mas pode ser encarada como restrição de acesso. É preciso ficar claro a quem contrata esse produto suas condições.

Como encontrar uma equação justa para todos: operadoras, médicos, fornecedores de serviços e usuários?

Com transparência e clareza em relação aos direitos e deveres de cada um.