No mundo todo, a variação de custos médico-hospitalares fica acima dos demais setores da economia. Segundo um estudo da corretora de seguros britânica Aon em 91 países, a projeção de inflação médica global para 2017 é de 8,2%, ante 2,8% da inflação geral. O Brasil segue a tendência mundial, mas com números bem mais elevados. A expectativa para a alta no setor é de 17,2%, de acordo com a Aon, frente à inflação oficial estimada pelo governo brasileiro de 4,5%. O País é um raro caso no qual a recessão econômica não significou redução dos custos de saúde.

Alguns fenômenos globais são típicos da alta dos custos, como o envelhecimento da população e a incorporação de novas tecnologias à medicina. Equipamentos e drogas levam tempo e consomem fortunas para serem desenvolvidos – quando chegam ao mercado, seu preço está à altura da inovação. Outra explicação é o estilo de vida das pessoas. Má alimentação e sedentarismo estão associados à obesidade, ao diabetes e a outras doenças crônicas.

“No caso brasileiro, a inflação é potencializada por falhas internas do nosso mercado”, afirma Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Ele explica que em lugares onde a atividade é mais desenvolvida, novas tecnologias são incorporadas ao sistema de saúde somente após a produção de estudos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS). “O sistema privado do Brasil não conta com critérios de avaliação, o que impacta fortemente nos custos.”

Em nota, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirma que o rol de procedimentos e eventos em saúde é periodicamente submetido a atualizações. “As revisões, que ocorrem a cada dois anos, são antecedidas por amplos debates no Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde (Cosaúde)”, diz o texto.

Transparência

O País carece também de mecanismos corretos de competição entre prestadores de serviços, porque não estão disponíveis informações de indicadores de qualidade e de segurança do paciente – por exemplo, a taxa média de infecção de um hospital. Além disso, de acordo com Carneiro, falta transparência a respeito do relacionamento comercial entre médicos e outros prestadores e a indústria de materiais, medicamentos e equipamentos.

Segundo o relatório “O Financiamento da Cobertura Universal”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 20% e 40% de todos os gastos em saúde são desperdiçados por ineficiência. A linha divisória entre os dois casos é tênue. Para Manoel Peres, diretor-geral da Bradesco Saúde, o mau uso de tecnologias tem sido estimulado pela remuneração, a exemplo de próteses: quanto mais caras, maior a rentabilidade para quem as solicitou. “Outra causa é a expectativa do paciente de que médico peça uma grande quantidade de exames”, diz.

“Se considerássemos apenas os fatores que não podem ser controlados, a inflação médica brasileira seria duas vezes acima da geral, não três, quatro ou cinco”, afirma Peres. “O dilema da medicina hoje são as necessidades infinitas versus recursos finitos. A população está envelhecendo, mas a renda não cresce na mesma velocidade. As famílias precisam criar um pensamento com viés de contenção ou a conta vai se tornar inviável.”

Modelo de remuneração

Entre as medidas tomadas pelas operadoras para combater fraudes e desperdícios estão controle mais rigoroso na seleção da rede de prestadores de serviço, trabalhos de promoção de saúde e revisão do modelo de remuneração, um dos temas mais debatidos pelo setor. O Brasil adota um sistema de pagamento por serviços de saúde chamado de fee-for-service (taxa de serviço), no qual cada insumo e procedimento hospitalar é adicionado à conta: honorários médicos, diárias de leitos, exames, etc. Quanto mais itens são consumidos, mais a conta hospitalar cresce e mais o prestador de serviço ganha.

Carneiro conta que esse padrão de remuneração de serviços de saúde foi aplicado universalmente, mas, no início da década de 1980, diversos países, como Estados Unidos e Portugal, evoluíram para modelos que negociam o pacote de serviços. Hoje há distintas modalidades de pagamento, conforme as características do diagnóstico. “O Brasil tem sido muito lento nesse avanço, porque, como todos os custos são transferidos para a conta hospitalar, esse modelo praticamente elimina os riscos econômicos do prestador de serviços”, explica.

Economia para todos

Diminuir os custos é uma medida positiva não apenas para as operadoras, como para consumidores e corporações – 80% dos planos são contratados na modalidade coletiva. De acordo com Leila Felício, presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ), o plano de saúde é o segundo benefício com maior custo para o RH das empresas, e representa em média 12% da folha de pagamento. “Seu uso consciente é uma necessidade para as organizações. O plano é o terceiro principal desejo do brasileiro, atrás apenas da casa própria e da educação”, aponta Felício.

A mudança na pirâmide etária do País faz com que a saúde se torne um importante ativo nas empresas. “Promover o bem-estar dos funcionários é um diferencial competitivo e um mecanismo fundamental para evitar o crescimento dos custos com planos de saúde”, diz Felício. “Por isso, as organizações buscam encontrar com as operadoras um modelo que reflita a sua realidade.”

Felício explica que o RH deve se estruturar em três pontos para lidar com as despesas de saúde em alta. O primeiro é a resolubilidade, que significa entender se os procedimentos médicos prestados aos empregados seguem modelos preconizados e buscam a cura da enfermidade. Em segundo lugar vem a comunicação. Por meio de diversas ferramentas, o departamento pode abordar os usuários para campanhas de prevenção e promoção de saúde. Por fim vem a questão do controle de custos. Ao identificar detalhes e preços dos tratamentos, a empresa pode dialogar com as operadoras o valor real dos serviços prestados. “Com esses passos, acreditamos que o RH comece a subverter o processo, a fim de diminuir o desperdício avassalador nesse segmento”, afirma.

Agência reguladora

Do ponto de vista regulatório, a ANS afirma que vem trabalhando na criação de mecanismos para incentivar a adoção de boas práticas. Em nota, a agência aponta que são estratégias para diminuir os gastos monitorar a saúde dos beneficiários dos planos, promover programas de prevenção de doenças e desenvolver modelos assistenciais e de remuneração de prestadores. “A correta precificação dos produtos, com a atualização constante das notas técnicas atuariais, é essencial para manter as carteiras em equilíbrio”, diz o texto.