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19 de dezembro de 2025
O ambiente de negócios brasileiro começa a se transformar profundamente a partir do ano que vem. Em 2026, a transição proposta pela Reforma Tributária se intensificará – e isso vai muito além da adoção do novo modelo de arrecadação, que deve estar concluído em 2033.
Os desafios serão diversos e exigirão dos negócios grandes esforços de planejamento, adoção de novos sistemas e tecnologias, treinamento, reconfiguração de cadeias logísticas, processos internos, estruturas societárias, estratégias de preços e implicarão mudanças nas relações concorrenciais entre Estados. No entanto, o novo cenário vai trazer oportunidades para as empresas que se organizarem melhor e implementarem os novos modelos de forma mais eficiente.
A reforma vai mexer diretamente com o modo como as companhias operam, competem e se organizam financeiramente. Há riscos, mas as chances de aproveitar o momento e se destacar no mercado estarão ao alcance, especialmente para os negócios que souberem usar dados, inovação e tecnologia como elementos estratégicos, segundo Carolina Verginelli e Guilherme Giglio, ambos sócios de Tributos Indiretos da Deloitte.
Os executivos estiveram em transmissão especial realizada pela TV Estadão, em conjunto com a Deloitte e com produção do Estadão Blue Studio. Mediado pelo jornalista Daniel Gonzales, o painel discutiu os impactos práticos da Reforma Tributária que, para os especialistas da Deloitte, é muito mais do que apenas um conjunto de regras fiscais.
Uma oportunidade de mudança estrutural
Para Carolina, as novas normas representam uma mudança estrutural que atravessa toda a operação das empresas: da escolha geográfica de um centro de distribuição até a rotina de emissão de documentos e a estratégia de preços.
A transição prevista na legislação é longa e escalonada: “Os sete anos propõem um período de ajustes contínuos, no qual estruturas hoje moldadas por incentivos fiscais estaduais precisarão ser reavaliadas”.
A eliminação gradual dos incentivos estaduais, que historicamente influenciam a localização de fábricas e centros de distribuição, deve provocar uma revisão completa dessas redes.
“Hoje, no Brasil, empresas quando vão se instalar em alguma região, seja para abrir um novo centro de distribuição, ou efetivamente investir em uma planta fabril, elas estudam a existência de incentivos fiscais no local escolhido. Com o fim desses benefícios, será necessário reavaliar as malhas atuais: será que a minha rede é apenas logística ou está realmente otimizada?”, explicou.
A reforma prevê ainda mecanismos de compensação para empresas que perderão incentivos ao longo da transição. Isso deve entrar no planejamento das empresas que pretendem acessá-los desde já, apontou Carolina.
“Um dos fundos é para ressarcimento de 10% ao ano – de 2029 até 2032 – às empresas que vão perder um pedaço dos seus incentivos.” Mas o acesso, lembrou ela, depende do cumprimento de critérios rigorosos.
“É muito importante que as empresas comecem a avaliar os seus incentivos fiscais agora. A recomendação é imediata: mapear esses benefícios, contrapartidas e contratos para garantir elegibilidade ao fundo administrado pela Receita Federal.”
Fim das distorções
Giglio concordou que a geografia operacional de muitos negócios será redesenhada com a reforma, criando uma grande oportunidade para otimizar custos e melhorar o desempenho, além de permitir planejar o futuro de forma mais adequada.
“Hoje, temos uma série de distorções geradas tanto pelas exceções da legislação quanto pelos incentivos fiscais. Por isso, é comum que a decisão de implantar uma fábrica ou um centro de distribuição seja muito mais focada em questões tributárias do que operacionais, o que gera um grande impacto em toda a cadeia”, comentou.
“A partir de agora”, continuou o especialista, “qual será o novo centro gravitacional logístico pós-reforma? Eu preciso olhar onde estão os meus fornecedores, os meus clientes, entender os custos de frete, de armazenagem e outros custos logísticos.”
Essa reconfiguração, de acordo com ele, pode alterar padrões competitivos regionais, abrindo espaço para empresas que hoje são desfavorecidas por regimes de incentivo.
“Eu estou otimista, pois estamos migrando para algo muito mais desejável, pensando em contribuintes e investidores estrangeiros, mas, é óbvio, a gente não pode negar que esse período de sete anos de transição vai trazer uma série de percalços. Por isso, a importância de se preparar antecipadamente.”
Equilíbrio: redesenho do negócio e adoção das novas regras
Diante disso, é preciso refletir sobre como os negócios podem realizar, de forma eficiente, o redesenho de seus processos internos e a reestruturação diante das oportunidades trazidas pela reforma e, ao mesmo tempo, implementar as novas regras obrigatórias de arrecadação e prestação de contas em vários pontos da operação.
Encontrar esse equilíbrio é algo importante, nas palavras de Carolina. “A reforma tributária vai permear todas as áreas das empresas, e dessa forma é ‘tributária’ apenas no nome. A verdade é que ela traz uma mudança significativa em todas as áreas dos negócios.”
A executiva lembrou que a apuração fiscal das empresas vai migrar de fechamentos fiscais com elaboração de obrigações acessórias para algo mais na linha do movimento conhecido como real-time reporting.
“Isso muda a contabilidade, o fluxo de caixa, o modo como as rotinas fiscais são feitas. Há a necessidade de a área de suprimentos ser envolvida para renegociação de contratos, de reprecificação dos produtos ou serviços que a empresa vende, entre outros. Ou seja, é um plano com muitas ações, e todas relevantes para as empresas”, exemplificou.
A especialista destacou a importância de uma orientação clara e política que envolva todos os setores das companhias, para maior efetividade no planejamento.
“É necessário que haja um PMO, alguém liderando esse projeto do ponto de vista de prioridades, que tudo seja detalhado e que cada área envolvida esteja embarcada: suprimento, comercial, produtos, operação, jurídico, RH, etc.”, elencou. “Então, esse plano tem de ser muito bem estruturado, acompanhado, para que não ocorra de a empresa ficar sem saber para onde ir, com muitas ações ao mesmo tempo, uma atropelando a outra.”
Tax Brain: plataforma é aliada poderosa na análise dos dados
Giglio lembrou que o Brasil é referência em tecnologia para a área tributária. O especialista ressaltou a importância de usar a plataforma Tax Brain da Deloitte como aliada na análise de grandes volumes de dados, inclusive no novo cenário da reforma.
“As obrigações acessórias têm uma massa enorme de dados, como visibilidade de fornecedor, cliente, detalhe de item, tipo de uso, movimentação dos estoques, frete – tudo que você pode imaginar já é disponibilizado de forma periódica pelos contribuintes. O Tax Brain surgiu no início como uma necessidade, porque precisávamos de um sistema para digerir todos esses dados”, comentou.
“No final, ele virou uma ferramenta poderosa também no ambiente da reforma tributária porque, com essa massa de dados e com a possibilidade de aprendizagem da máquina, o sistema consegue fazer uma análise estruturada e identificar, por exemplo, padrões de operações, de fornecedores, de clientes e tendências”, explicou.
“E com isso gera uma análise preditiva que vai auxiliar na definição de alternativas. Então, no final do dia, é muito mais do que uma calculadora, ou muito mais do que uma ferramenta para identificar impactos.”
Todas essas informações sobre fluxo de caixa, análises preditivas de fornecedores, cenários, entre outros, facilitam a tomada de decisões pelos gestores.
O que fazer em 2026: um ano de preparação ativa
As orientações finais dos especialistas convergiram para a ação imediata. Carolina sintetizou onde estarão as oportunidades: “Aproveitem este ano para liderar o processo e antecipar decisões. Não seja liderado, lidere a sua cadeia”. Guilherme completou com otimismo cauteloso: “É claro que 2026 será um desafio enorme, mas a tendência é que tudo melhore no futuro”.
Estar atento e encarar os desafios como oportunidades, de acordo com os executivos, será fundamental no novo ambiente tributário e o grande diferencial para sobreviver e ganhar relevância.