Jornada da Sustentabilidade

Produção

Estadão Blue Studio

Brasil consolida protagonismo global em soluções baseadas na natureza

Especialistas afirmam que futuro desse mercado depende de coordenação, governança e capacidade de implementação de projetos

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17 de dezembro de 2025

O mercado brasileiro de Soluções Baseadas na Natureza (NbS) atravessa um momento considerado decisivo para o futuro da agenda climática do País e para sua posição no cenário internacional. A consolidação desse setor pode, ainda, trazer reais impactos ao desenvolvimento sustentável.

De acordo com o estudo Soluções Baseadas na Natureza (NbS): Mobilização de Capital no Brasil, existe um potencial extraordinário de investimentos em soluções naturais nos próximos anos.

O relatório, produzido pela Deloitte Brasil em cooperação com a Capital for Climate, indica que o Brasil poderá mobilizar mais de US$ 10 bilhões até 2027 e que esse valor pode chegar a quase US$ 19 bilhões até 2030. São números que posicionam o País como protagonista global na integração entre restauração ambiental e desenvolvimento econômico.

Para discutir o tema e seus impactos, o Estadão Blue Studio, em conjunto com a Deloitte, organização com o portfólio de serviços profissionais mais diversificado do mundo, recebeu na TV Estadão dois especialistas envolvidos na elaboração do estudo. Eles analisaram os números e apontaram como essa jornada deve evoluir daqui por diante. Luiz Paulo Pereira Assis, sócio-líder de Soluções de Infraestrutura e Finanças Sustentáveis da Deloitte, e Anna Lucia Horta, diretora executiva da Capital for Climate no Brasil, estiveram presentes na transmissão, debatendo o mercado com o jornalista Daniel Gonzales.

De acordo com os executivos, o mercado amadureceu rapidamente, tanto na qualidade dos projetos quanto no interesse dos investidores nacionais e internacionais. Essa foi uma das principais conclusões do relatório, que ouviu 34 organizações alocadoras de capital e 32 desenvolvedores de projetos, abrangendo desde grandes fundos e instituições financeiras até empresas especializadas em restauração, manejo florestal, agricultura sustentável e conservação.

Por trás dos ótimos números, está uma mudança estrutural no ecossistema brasileiro. O País, historicamente visto como potência ambiental, encontra-se agora em posição de converter essa característica em vantagem competitiva e, mais do que isso, em oportunidade econômica de grande escala.

Para Assis, o avanço do setor não é fruto do acaso. O especialista ressaltou que o Brasil reúne atributos naturais, econômicos e produtivos que conferem posição privilegiada no mercado global de NbS. “O Brasil tem uma vocação muito clara para produtos e soluções baseadas na natureza”, afirmou.

Ele explicou que essa vocação nasce da combinação entre agronegócio forte, grande extensão territorial, diversidade de biomas e condições climáticas favoráveis. Esse conjunto cria ambientes extremamente produtivos, especialmente para cadeias florestais e sistemas integrados que conciliam agricultura, pecuária e floresta.

De acordo com o executivo, hoje há muito mais projetos estruturados e aptos a atrair capital internacional do que há quatro ou cinco anos, cenário inexistente anteriormente.

A pesquisa revelou que, atualmente, existem projetos e investidores em abundância. O desafio é compatibilizar intenções e capacidade de execução. “É uma época de implementação”, aponta o especialista. “No estudo, olhamos para os desenvolvedores de projeto e isso mostrou que existe, de fato, um interesse. Quando começamos a pesquisa, pensamos: ‘Será que está faltando o investidor ou será que está faltando o projeto?’. E descobrimos que não está faltando nenhum dos dois.”

Outro ponto destacado por Assis é a evolução das políticas públicas e dos marcos regulatórios, que aumentaram a confiança dos investidores ao oferecer condições muito mais favoráveis à implementação dos projetos. “O investidor precisa ter segurança jurídica e competitividade, e a postura do governo, além do fortalecimento de regulações voltadas à sustentabilidade, reforça a credibilidade do Brasil como destino de aportes nesse setor.”

A importância estratégica dos biomas brasileiros, como a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica, também foi lembrada por Assis. Esses ambientes concentram parte significativa da biodiversidade mundial e são essenciais para serviços ecossistêmicos como regulação climática, armazenamento de carbono e preservação da água.

“Segundo o estudo, investidores e desenvolvedores demonstram interesse convergente nessas regiões, que se tornam vetores centrais de desenvolvimento das soluções baseadas na natureza.”

As vantagens do Brasil

Anna Lucia Horta comentou que o País combina vantagens naturais e institucionais que são “impossíveis de copiar.”  Ela citou o fato de, entre os anos de 2023 e 2024, terem sido desembolsados US$ 2,1 bilhões, antecipando metas da COP-30 e mostrando uma combinação bem rápida entre intenção e ação.

Para ela, a natureza tropical, por si só, cria condições de produtividade muito mais elevadas do que em países de clima temperado. “As árvores crescem três vezes mais rápido no Brasil que, por exemplo, na Escandinávia”, disse. Esse ciclo acelerado de crescimento tem implicações diretas para a viabilidade econômica dos projetos, pois reduz o tempo de retorno e aumenta o potencial de captura de carbono.

“Então em seis, sete anos, podemos ter árvores de grande porte prontas para corte. Somado a isso, temos um ambiente regulatório muito bom, segurança de contrato e um mercado de capitais bastante sofisticado e ativo, preparado para operar produtos estruturados e financiamentos complexos relacionados à sustentabilidade.”

Esse ambiente, para ela, facilita a entrada de novos investidores, sobretudo estrangeiros, que buscam oportunidades que combinem impacto positivo e rentabilidade.

Segundo Anna, a qualidade dos desenvolvedores de projetos brasileiros também se destaca. Muitos vêm de setores inovadores, como tecnologia e restauração ambiental, e possuem visão empresarial capaz de transformar o planejamento socioambiental em modelos claros de negócio.

“Essa combinação de talento e estrutura coloca o Brasil em posição semelhante à que a China ocupou no desenvolvimento das energias renováveis, uma potência emergente que se tornará imprescindível para o mundo.”

Ao analisar o fluxo de desembolsos dos últimos anos, Anna observou que o setor entrou em ritmo de aceleração contínua. “É uma bola de neve rolando a montanha; ao longo do processo, a bola vai aumentando a massa e a velocidade”, afirmou.

Para ela, o desembolso de US$ 2,1 bilhões entre 2023 e 2024, e mais o total de US$ 2,67 bilhões já contabilizados até agosto de 2025, indica que o interesse por NbS se tornou consistente e crescente.

Convergência de interesses

O estudo Deloitte/Capital for Climate também destaca que investidores e desenvolvedores convergem em relação às áreas prioritárias, outro ponto altamente positivo.

Assis explicou que as oportunidades estão concentradas principalmente em três frentes: intensificação sustentável, restauração de áreas degradadas e bioeconomia florestal. Segundo ele, o primeiro ponto é a chave para o futuro da agricultura brasileira.

“Quando falamos em intensificação sustentável, estamos falando em aumentar efetivamente a produtividade com menor impacto. Modelos de integração entre lavoura, pecuária e floresta permitem aumentar produção, melhorar o solo e reduzir emissões.”

A restauração de áreas degradadas aparece como um campo de impacto duplo: ambiental e econômico. Aqui, o executivo observou que é possível recuperar solos exauridos, aumentar a biodiversidade e gerar créditos de carbono, tudo isso enquanto se criam oportunidades de renda em regiões rurais.

“Quando olhamos sob o ponto de vista social, temos o dinheiro chegando até a ponta. Esse impacto acaba sendo super-relevante. E a bioeconomia florestal, de certa forma, impulsiona a inovação”, considerou Assis.

Para ele, os principais desenvolvedores de pesquisas em florestas no mundo estão no Brasil.

“Temos empresas que participaram do nosso levantamento que hoje têm centro de desenvolvimento de pesquisa relacionado à floresta, o que posiciona o Brasil na frente da inovação desses temas”, disse. “Tudo isso traz resultado econômico, mas também, sem dúvida, impacto social, impacto na biodiversidade. E isso agrega muito para o Brasil quando olhamos para os objetivos tanto de descarbonização e como de net zero que já foram definidos até 2050.”

Escalar de forma coordenada é o desafio

Um dos desafios centrais para o Brasil é escalar essas soluções de forma coordenada. Há intenção: os desenvolvedores de projetos planejam triplicar a área operacional até 2028, chegando a 2,7 milhões de hectares (ou 9,6 milhões, se incluídas áreas de conservação).

Para Anna, essa expansão em larga escala exige superar uma série de obstáculos. “Não existe bala de prata”, afirmou. Ela explicou que um projeto de NbS passa por diversas decisões estratégicas antes de chegar ao estágio de captar investimento: definição do produto principal, avaliação de logística, possibilidade de industrialização, disponibilidade de mão de obra qualificada, modelo de posse da terra e projeção de retorno financeiro.

Investidores iniciantes muitas vezes têm dúvidas sobre riscos, como incêndios florestais. Segundo ela, há dados consistentes que mostram que manejos adequados reduzem esse risco a níveis muito baixos.

“Esse tipo de esclarecimento faz parte do trabalho de tradução entre a realidade brasileira e a percepção internacional: explicar o ambiente regulatório e traduzir métricas de NbS para novos investidores.”

Para acelerar a implementação, Anna destacou três alavancas centrais: blended finance, assistência técnica e plataformas de integração de projetos. “Misturar dinheiros com custos diferentes para baratear o custo da dívida” é, segundo ela, uma das estratégias mais eficazes para atrair novos investidores.

Já a assistência técnica, segundo ela, é essencial tanto para capacitar trabalhadores em campo quanto para fortalecer a governança dos desenvolvedores. Sistemas como a NbS Investment Platform organizam informações de projetos, padronizam dados e tornam o pipeline mais acessível a investidores. “Ela já tem mais de 750 oportunidades de projetos prontas para receber investimento.”

Condições para uma liderança global no futuro

Os especialistas foram unânimes ao avaliar que o Brasil já tem as condições necessárias para consolidar liderança global em NbS – o que falta é acertar a implementação.

Assis lembrou de mecanismos importantes como o Tropical Forest Forever Facility, apresentado pelo governo na COP-30, iniciativa que canaliza capital público para reduzir riscos e atrair mais investimentos privados. “A cada real colocado por uma entidade pública, ele tem que mobilizar no mínimo cinco reais do capital privado”, afirmou.

“O investimento em soluções baseadas na natureza vem, de certa forma, impactando indiretamente vários outros setores. Temos as ferramentas, temos os caminhos e temos os projetos.”

Segundo Anna, para que o setor cresça, é necessário que sejam coletados mais dados.

“Essa primeira pesquisa foi muito importante, e agora é conseguir coletar cada vez mais dados com maior granularidade. Enquanto setor, precisamos entender o que está dando certo, por que está dando certo e, quando não der, também precisamos falar sobre isso. Não para apontar dedos, mas para entender com clareza qual é a origem do problema e poder pensar como resolver esses problemas.”

Você pode assistir à íntegra do painel com os dois especialistas clicando aqui.

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