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Economia circular no Brasil: desafios, oportunidades e caminho para a sustentabilidade

A reutilização de recursos no País está abaixo da média global, mas a colaboração entre governos, empresas e diferentes setores produtivos pode mudar esse cenário

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13 de novembro de 2025

O volume de materiais reciclados usados pela população global vem caindo. Das 106 bilhões de toneladas que entram em circulação anualmente, apenas 6,9% vêm de recursos reutilizados, uma queda de 2,2% desde 2015.

Os dados são do relatório Circularity Gap Report 2025, elaborado pela Circle Economy em conjunto com a Deloitte – que, pelo primeiro ano, mensurou a circularidade da economia brasileira. De acordo com o Circularity Gap Report Brazil, apenas 1,3% de todos os materiais no Brasil provêm de fontes recicladas.

Em uma transmissão especial da TV Estadão, Maria Emília Peres, sócia-líder de Soluções de Sustainability da Deloitte Brasil, e Andrew Keys, pesquisador sênior da Circle Economy, discutiram os resultados do relatório e as oportunidades para o País.

De acordo com eles, embora o Brasil se destaque na geração de empregos em energia renovável, a participação em atividades ligadas à economia circular ainda é pequena. Apesar dos números baixos, o Brasil tem grande potencial de transformação rumo a um mercado mais sustentável.

Para Keys, os principais fatores são consumo excessivo e baixa taxa de reciclagem. “Em 2023, cada brasileiro utilizou cerca de 20 toneladas de materiais, acima da média global de 13 toneladas e mais do que o dobro do nível sustentável de 8 toneladas. Isso representa uma pegada material de aproximadamente 4 bilhões de toneladas”, explicou.

Outro ponto crítico é a falta de infraestrutura de reciclagem. “Embora o Brasil tenha tratado cerca de 600 milhões de toneladas de resíduos em 2023, apenas 7,2% foram reciclados, e quase 90% ainda terminaram em aterros. Isso evidencia lacunas na recuperação de materiais, com a maioria sendo descartada em vez de reintegrada à economia.”

Uso da terra x sustentabilidade

Historicamente, o uso da terra no Brasil é bastante intensivo, o que causa impactos na sustentabilidade, na segurança alimentar e na biodiversidade, e acaba pressionando o modelo circular na economia.

“O Brasil construiu liderança global em agricultura e produção de alimentos, mas esse modelo depende fortemente de recursos virgens – cerca de 5 bilhões de toneladas por ano, sendo 64% de biomassa”, afirmou Maria Emília Peres, da Deloitte. “Atualmente, apenas 1,3% dos materiais usados aqui são reciclados ou reutilizados. Esses números nos lembram que há grande oportunidade de usar os recursos de forma mais eficiente e de gerar capital natural”, analisou.

Trata-se de evoluir da extração para a regeneração, e com a escala, a capacidade de inovação e a biodiversidade do Brasil. “Temos tudo para demonstrar que produtividade e sustentabilidade podem crescer juntas.”

Cooperação é essencial

Para avançar na transição para o uso eficiente de recursos, especialmente na bioeconomia, é essencial uma articulação entre empresas, governo e sociedade.

De acordo com Maria Emília, as parcerias são fundamentais, “porque a circularidade não é algo que um único ator possa alcançar sozinho”. Nesse sentido, ela ressaltou que a produção é diversificada, baseada na terra e rica em capital natural. “Isso dá ao Brasil a oportunidade de projetar cadeias de valor circulares enraizadas em bioeconomia, agricultura, silvicultura e sistema alimentar, mas também conectadas à manufatura, à energia e aos serviços. As empresas podem trazer inovação, tecnologia e agilidade para redesenhar produtos e processos. Isso é sempre fundamental para nos levar à transição energética”, disse.

Além disso, existe a possibilidade de apoios governamentais, o que seria muito favorável. “Os formuladores de políticas podem criar condições por meio de incentivos, padrões e colaborações que recompensem os modelos circulares e incentivem investimentos de longo prazo. Esse também é um ponto-chave para toda essa transição para uma economia de baixo carbono. Quando essas forças se unem, a transformação pode acontecer em grande escala.”

Maria Emília destacou que a experiência da Deloitte Brasil mostra que, quando políticas públicas, inovação e financiamento se alinham em torno de uma visão compartilhada, uma mudança sistêmica pode ser desbloqueada. “A bioeconomia pode se tornar a ponte natural do Brasil entre prosperidade e sustentabilidade, se continuarmos a fortalecer a colaboração em toda a cadeia de valor.”

Transição justa e geração de empregos

Garantir que a transição crie empregos inclusivos, seguros e de qualidade é um grande desafio – que será vencido com o olhar atento à questão da educação e à chamada alfabetização ambiental, segundo Keys. Hoje, no Brasil, apenas 5,2% dos empregos estão ligados à economia circular, com grandes desafios na gestão de resíduos.

“Acredito que o Brasil precisaria de políticas trabalhistas para garantir que a transição seja inclusiva, segura e também proporcione muitos empregos de alta qualidade. Penso que o País deveria integrar os conceitos de economia circular à educação básica e expandir o currículo nacional de clima para desenvolver habilidades fundamentais e alfabetização ambiental desde a infância’, defendeu o especialista.

Os trabalhos informais, diz Keys, não devem ficar de fora. “Acho importante ampliar os modelos de integração de trabalhadores informais, como as cooperativas de catadores, fortalecendo parcerias público-privadas e apoiando programas de transição da força de trabalho liderados por empresas”, afirmou.

E, por fim, segundo ele, também é essencial investir em iniciativas como programas de desenvolvimento de fornecedores e polos de treinamento locais. Eles podem incentivar a participação, além de desenvolver a capacidade regional e fomentar a cooperação entre as partes interessadas em vários níveis da cadeia de valor. “O tema da colaboração surge novamente quando pensamos mais no lado do mercado de trabalho social.”

Estratégia Nacional de Economia Circular

Maria Emília comentou a importância da recém-lançada Estratégia Nacional de Economia Circular, política coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) que se integra a outro plano, o Nova Indústria Brasil (NIB), para apoiar o setor na implementação de processos que considerem o modelo circular desde a concepção dos produtos.

“Em primeiro lugar, o lançamento da estratégia nacional brasileira para a economia circular em 2024 é realmente um marco. Ela oferece ao País uma estrutura coordenada para orientar a transformação circular e, se implementada de forma eficaz, pode ajudar a posicionar o Brasil como líder regional e referência global na transformação circular”, analisou.

Um olhar para o futuro

O que é necessário para que o Brasil não apenas alcance os níveis globais do uso eficiente de recursos, mas também se torne uma referência nesse quesito? Quais oportunidades e riscos estão por vir? Os dois especialistas responderam a essas questões destacando que isso exigirá foco em diversas áreas-chave.

Para Keys, as políticas e a governança precisam ser fortalecidas, o que inclui o estabelecimento de estratégias alinhadas nacionalmente, mas adaptadas localmente, incorporando a circularidade em políticas-chave, promovendo a governança intersetorial e apoiando a participação regional por meio de planejamento inclusivo de longo prazo e capacitação.

“É necessário dar mais atenção às habilidades educacionais e à força de trabalho, de modo que os investimentos em educação e os treinamentos adaptados regionalmente possam integrar os princípios da reutilização de materiais à educação geral.”

Maria Emília concluiu reforçando que os grandes desafios podem e devem virar oportunidade para inovação e crescimento. “O Brasil pode ajudar a reduzir as emissões, fortalecer nossas indústrias e criar empregos inclusivos. A oportunidade reside em trazer a circularidade para o cerne do planejamento e da estratégia econômica de cada uma de nossas empresas no setor privado também. Não como uma agenda paralela, mas como base para produtividade e resiliência”, afirmou.

A transmissão gravada pode ser assistida aqui.

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