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24 de setembro de 2019
Com a tecnologia assumindo um papel central no dia a dia de todos os tipos de negócios, as disrupturas, os lançamentos, as novidades, as novas formas de operação e desafios surgem a uma enorme velocidade.
Em meio a este ambiente de inovação, tal como ocorria antes da era da transformação digital, as empresas devem continuar a se preocupar em manter boas práticas de compliance, dando atenção total ao cumprimento de leis, decretos e resoluções que regem as atividades – vindas de diferentes esferas de governo, órgãos, conselhos e agências reguladoras.
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Da mesma maneira, as autoridades reguladoras devem procurar se inserir no ambiente digital e em suas novas possibilidades, utilizando a seu favor as novas tecnologias como a internet das coisas, a inteligência artificial, data analytics, blockchain, machine learning, robótica, automatizações – tornando, assim, mais ágeis, inteligentes e conectadas as formas de tratar as empresas e supervisionar as atividades das companhias. Essa necessidade aparece de maneira clara no estudo “O futuro das regulamentações – tecnologias e estatégias para os órgãos reguladores do amanhã”, produzido pela Deloitte.
Na era digital, o “mar” de normas que abrange a maior parte das atividades – da mobilidade urbana à saúde, de telecomunicações a indústria, de varejo a serviços – não pode se tornar empecilho para o desenvolvimento das empresas e suas inovações, e sim agir a seu favor, estimulando o crescimento econômico e a melhora geral das atividades, aponta Elias de Souza, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Governo e Setor Público. Evitar possíveis conflitos, para ele, é fundamental para manter esse ambiente saudável, especialmente no caso do Brasil.
Modernização passa por melhoria na aplicação de recursos
É exatamente este o grande desafio que surge na era digital: como aliar o alto ritmo de criação, desenvolvimento e endereçamento de novos negócios a regras muitas vezes confusas, conflitantes e antigas? “A regulação nunca deve ser vista como agente que serve para brecar as inovações”, observa o especialista. “Deve-se procurar facilitar o acesso e o entendimento das organizações, de maneira transparente”, afirma, de modo a acompanhar o ritmo da transformação digital.
Alguns dos caminhos possíveis, segundo Souza, passam pelo melhor direcionamento dos recursos disponíveis nos governos e agências, inclusive os mal aplicados, em outras finalidades, e também pela possibilidade de envolver o setor privado no esforço de modernização, após um processo minucioso de levantamento dos possíveis conflitos – entre leis de diferentes esferas da administração pública, por exemplo.
O especialista cita o exemplo de setores como a mobilidade urbana, normalmente regulados pelos poderes federal (Código de Trânsito Brasileiro), estaduais (Detrans) e municipais (as prefeituras legislando sobre as vias públicas e a circulação nas cidades), frente à chegada de empresas de transporte por patinetes elétricos, que surgiram, nas palavras de Souza, praticamente “da noite para o dia”. Fica fácil perceber que leis, decretos, normas e resoluções não acompanharam o ritmo deste negócio disruptivo.
“Uma das possibilidades é o uso de inteligência artificial nas leis e normas, de modo a reduzir ambiguidades, verificar onde elas se encaixam e onde conflitam”, explica Souza. Desta maneira, haveria a possibilidade de unificar normas dos vários níveis, abrindo caminho mais fácil para a inovação tecnológica.
Ele aponta ainda o caso das fintechs, que vieram para transformar digitalmente o setor bancário, frente à regulamentação rígida dos serviços dos bancos tradicionais.
“Estas empresas trabalham com o dinheiro dos cidadãos, com a privacidade, e não se pode brecar a criação destes serviços”, diz. Como ficam as questões da guarda destes dados, da segurança financeira? A regulamentação deve buscar respeitar a inovação, mas também respeitar o negócio.
Outro setor que chama a atenção, com a chegada iminente das redes móveis de quinta geração (5G) no Brasil – prevista para o ano que vem, e que abrirá inúmeras novas possibilidades de negócios – é o conflito entre leis ambientais, municipais e federais para instalação de antenas das operadoras de telecomunicações.
A regulamentação é, muitas vezes, confusa e conflitante – e muitos processos são feitos de maneira manual e lenta. “A solução é olhar tudo de maneira integrada, com o auxílio da tecnologia”.
Brasil e resto do mundo
Quando o assunto é o futuro das regulamentações, o Brasil ainda tem deficiências a superar, aponta Elias de Souza. Para ele, há uma sensação geral de que o País sempre corre atrás de normatizar serviços que surgem, por causa da percepção de que legislar, por aqui, é um processo longo e complexo. “Recursos orçamentários até temos, é necessário uma maior assertividade no investimento do dinheiro público”.
Lá fora, o especialista aponta a Espanha como um bom exemplo de como agir para aliar a tecnologia aos setores regulatórios. “Apesar de ser um processo bastante trabalhoso, a Espanha consolida sua legislação anualmente”, explica.
Outros países mais avançados no assunto são Austrália, Dinamarca, Inglaterra e Estados Unidos. Ainda falta muito, diz Souza, mas as ações de criação de processos para melhorar o desempenho dos reguladores já caminham muito melhor.