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12 de fevereiro de 2025
A reforma tributária – a mais profunda transformação no sistema brasileiro de apuração e recolhimento de impostos sobre o consumo – começará a ser posta em prática no ano que vem, marcando 2026 como o primeiro dos oito anos até a implementação integral, em 2033.
Os prazos apertados e a complexidade do tema vêm exigindo das empresas uma profunda concentração no planejamento de pontos como investimentos, adequações e treinamentos, que devem anteceder a adoção efetiva das novas regras.
Cerca de 20 dias após a primeira regulamentação da reforma ter sido sancionada – o que ocorreu em 16 de janeiro, por meio da Lei Complementar 214 –, uma transmissão especial da TV Estadão foi realizada pelo Estadão Blue Studio em colaboração com a Deloitte, a maior organização de serviços profissionais do mundo.
O painel reuniu dois especialistas no assunto, Carolina Verginelli e Guilherme Giglio, ambos sócios de Consultoria Tributária da Deloitte. Eles trouxeram suas visões sobre as ações necessárias para a transição e os próximos passos a serem observados em sua execução.
A principal mudança imposta pela legislação recém-aprovada consiste em novas regras para a implementação do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Ele será apurado e recolhido de forma dual, sendo composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com arrecadação destinada aos Estados e municípios, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), direcionada ao governo federal. Substituindo os atuais ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI, as novas modalidades representarão uma renovação completa na forma de tributar o consumo, com os consequentes impactos em diversos setores da economia.
Tudo isso vai influir, em maior ou menor escala, a depender do segmento e porte do negócio, em diferentes departamentos das organizações. Haverá impactos em TI, comercial, vendas, supply chain, jurídico, RH – além do tributário em si, a quem caberá liderar os esforços e envolver os colaboradores dentro da nova realidade, lembrando que pelos próximos anos os dois sistemas de tributação, o atual e o novo, conviverão ao mesmo tempo.
Lideranças devem se envolver
O envolvimento dos C-levels, executivos que ocupam cargos com alto poder de decisão, além de um esforço coletivo de todos os times, será decisivo para tornar o processo mais suave e simples, de acordo com Carolina.
“Costumamos dizer que a reforma é tributária apenas no nome, porque ela vai trazer transformações muito significativas para as empresas – entre elas, mudanças operacionais, de processos que nem existem hoje, econômico-financeiras, mudanças concorrenciais com o fim dos incentivos fiscais, etc.”, listou a especialista, para quem não há dúvidas de que todas as áreas serão impactadas.
Ela aponta algumas dessas consequências. “Teremos implicações na área comercial, no modo como as empresas precificam seu produto, no modo como estruturam seus negócios, em como distribuem seus produtos em centros de distribuição e em rotas de malha logística, que hoje são altamente movidas pelos tributos”, disse. “Já a área de suprimentos terá desafios com renegociações de contratos, assim como os departamentos jurídicos, que deverão rever as estruturas societárias e os contratos com os fornecedores e clientes.”
Segundo Carolina, já é observado, desde o ano passado, um comportamento das empresas no sentido de entender e agir, abraçando o processo como um verdadeiro projeto de negócio.
“Percebemos que, quando a companhia está engajada, costumam surgir insights importantíssimos relacionados a como implementar a reforma e fazer isso trazendo o mínimo de ruído para os negócios, de maneira otimizada e maximizando todos os resultados. E esse é um projeto em que a liderança precisa estar engajada e preocupada, para que seja posto em prática de maneira adequada.”
Departamento tributário deve agir como elo
Para Guilherme Giglio, o grande protagonista neste momento deve ser o setor tributário da empresa, que precisa agir como o enlace entre os diversos departamentos da organização, liderando os esforços nesta transição.
“Quem teve a oportunidade de ler a Emenda Constitucional ou a Lei Complementar 214, que foi aprovada recentemente e regulamentou os novos tributos, viu lá que o assunto não é simples. Você tem uma série de regras, de conceitos novos para o nosso ambiente. Você tem um monte de regimes específicos”, explicou.
“A lei tem 544 artigos e uma série de anexos. Então, o tema é bastante complexo, e dessa forma o departamento tributário é fundamental nas discussões. Nós temos feito várias reuniões, eventos, workshops com todas essas áreas e vemos que a participação da área tributária não só enriquece como acaba sendo fundamental.”
Diferentes níveis de impacto
Os especialistas da Deloitte revelaram que, no dia a dia, recebem dos CEOs com frequência uma pergunta: “Qual área da minha empresa vai ser mais impactada?”
Para Carolina, não há uma única resposta. “Depende muito da indústria, depende muito dos clientes da empresa, dos fornecedores dela. Então, companhias que atendem muito o setor público vão ter um impacto importante, por exemplo, em reequilíbrio dos contratos em licitações. Já organizações que dependem muito de determinados fornecedores vão ter que prestar atenção na renegociação de preços de compra. A reforma tributária não começa apenas com o cálculo do impacto financeiro do fim dos incentivos e da carga tributária futura. Essa é a ponta do iceberg”, analisou.
A legislação da reforma tributária traz mecanismos completamente novos, como o chamado split payment (modelo de recolhimento de tributos no qual os impostos são recolhidos diretamente no momento da liquidação financeira entre comprador e fornecedor, com o montante pago pelo comprador sendo automaticamente dividido entre o fornecedor e os entes federativos).
Essa modalidade, segundo a executiva, tem um viés de potencialmente trazer efeitos no fluxo de caixa das empresas grandes, o que precisa ser medido e calculado, para que se entenda onde, exatamente, o negócio será impactado.
Investimentos em tecnologia e capacitação
Giglio avalia que a questão de adoção de novas tecnologias nos sistemas é uma das mais relevantes e complexas no processo da reforma.
“A maioria das grandes empresas utiliza sistemas globais, onde fica a fonte da informação, e que são, muitas vezes, pouco flexíveis a adaptações, pouco amigáveis para configurar. E temos muitas particularidades no ambiente tributário brasileiro.”
Dessa forma, qualquer mudança na legislação tributária, como novos atributos ou diferentes bases de cálculo, alterações em códigos ou layouts de notas fiscais, demanda energia e investimentos.
“Nesse contexto, está claro para a gente que utilizar sistemas e ferramentas auxiliares vai agilizar e facilitar bastante a implementação da reforma. Estou falando de motor de cálculo, de software fiscal que vai lá, captura a informação, tem a interface, emite a nota fiscal, gera as obrigações acessórias, enfim, esses sistemas com certeza podem ajudar bastante. Eles vão ser complementares aos atuais”, analisou o executivo. “E a parte de treinamento é essencial. Felizmente, já observamos uma busca grande e um alto interesse nesse ponto.”
Você pode assistir novamente ao painel, que teve a mediação do jornalista Daniel Gonzales, clicando aqui.