Compartilhe
11 de julho de 2024
A reforma tributária vai exigir das empresas uma grande capacidade de adaptação e a implementação de novos processos em prazos apertados, com atenção máxima aos novos procedimentos de recolhimento de impostos. Os dois sistemas tributários, o novo e o atual, conviverão lado a lado até a conclusão total do novo modelo, em 2032, exigindo treinamentos intensos de colaboradores, investimentos em tecnologias e replanejamento de muitos pontos das cadeias de negócios durante o período de transição.
Quando a reforma estiver plenamente em vigor, a intenção do Governo Federal é de que as empresas operem dentro de um modelo de simplificação do sistema tributário brasileiro em relação ao atual. Porém, o caminho até lá será longo e cheio de desafios. Os principais deles e toda essa transformação tributária foram debatidos por especialistas em transmissão especial levada ao ar pela TV Estadão.
Estiveram presentes dois executivos que vêm conduzindo as iniciativas nessa área na Deloitte, organização com o portfólio de serviços profissionais mais diversificado do mundo – Luiz Rezende, sócio-líder de Consultoria Tributária, e Carolina Verginelli, sócia que lidera a prática de Tributos Indiretos –, além de dois representantes de grandes empresas: Omar Teixeira, gerente tributário para o mercado brasileiro da Japan Tobacco International (JTI), e Itamar da Cunha, gerente de Senior Tax Planning da Kellanova.
Para Rezende, é natural que o caminho seja aumentar a complexidade em torno do tema nos próximos anos, antes que haja uma melhora no cenário. “Toda mudança gera incerteza. E a proposição da reforma é uma transformação profunda. Olhando para o final da jornada, o objetivo é trazer um sistema mais racional.”
Dois impostos novos sobre o consumo – Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – incidirão sobre as operações de bens de consumo e serviços e farão parte do chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual. “Eles irão aglutinar uma base ampla e única, na qual teremos a mesma legislação sobre bens, serviços, importação, produtos digitais, bens tangíveis e intangíveis. Essa estrutura de unificação não existe há muito tempo no Brasil”, explicou.
Outra modificação importante é o novo sistema de cobrança de imposto “por fora”, segundo o executivo, fazendo com que ele seja menos relevante na precificação dos produtos. “Ainda se almeja uma não cumulatividade plena, ou seja, todo imposto pago numa parte anterior da cadeia é abatido nas partes posteriores. O objetivo atual, para que a reforma seja bem-sucedida, é que esses créditos não tenham limites, eliminando restrições para deixar o sistema mais leve.”
Com a reforma, apontou ainda Rezende, o imposto passa a ser recolhido no destino – ao contrário de hoje, quando a cobrança ocorre onde o produto é feito. “Isso vai para o lugar do consumo, o que terá um grande efeito sobre o planejamento estratégico das organizações, e começaremos a identificar quais são os efeitos transformadores dessa reforma.”
Prazos apertados e replanejamento geográfico
A convivência dos sistemas atual e novo por um período vai impor uma linha do tempo bastante extensa, e a transição começa a partir de 2026. “Vamos passar por um período de muita complexidade”, afirmou Carolina. “As empresas começarão essa transição com alíquotas-teste, mas tendo de calcular e recolher os impostos de acordo com os moldes atuais.”
Nesse cenário de convivência de dois modelos tão distintos, as bases de cálculos, preços etc. serão totalmente diferentes, segundo a executiva. “Pensando nos desafios em que as empresas já podem refletir, o primeiro deles é incluir essas novas regras no ERP (sistema de gestão) da empresa, como atender esse regime concomitante, se faz isso dentro de casa, se terceiriza. Deve-se avaliar o momento da empresa, considerando a nova reforma tributária nesse contexto, já que quem for atualizar ERP hoje deve considerar esses impactos”, explicou.
Um dos principais pontos trazidos pelo novo sistema de tributação será o fim das chamadas exceções, os benefícios fiscais oferecidos por estados e municípios e que hoje atraem empresas para que se instalem em determinados pontos do País, justamente para usufruir de tais regras, lembrou Carolina.
Isso vai fazer com que muitas organizações repensem geograficamente a localização de sua malha logística, fábricas, depósitos etc., pois tais isenções serão extintas. No entanto, tudo isso tem de começar a ser posto em planejamento desde já, pois os projetos de mudança e reorganização estão longe de serem simples.
“Deve-se planejar a precificação desses produtos, mercadorias e serviços sob as óticas de carga tributária e competitividade, e levando-se em conta a cadeia de suprimentos, para que se saiba quais serão os reflexos.”
O lado da indústria
Empresas como a JTI já discutem, desde o ano passado, a adaptação de seus processos tributários para que os novos padrões sejam atendidos.
“O desafio é fazer essa tax transformation obrigatoriamente. No ano passado trabalhamos com uma consultoria, mapeando esses processos, pessoas, para entender quais seriam as migrações e como funcionam os dois sistemas simultaneamente. E um dos pontos a que chegamos: o mercado terá recursos técnicos e humanos suficientes para operar os dois regimes? Isso é um grande ponto de interrogação”, destacou Omar Teixeira, da JTI.
Em algumas simulações já feitas, afirmou ele, conflitos acabam acontecendo com a operação dos dois modelos ao mesmo tempo, configurando outro grande ponto de atenção. “Poderemos ter que fazer algumas escolhas, como parametrizar o sistema para o novo modelo, com a equipe interna focada nele, e terceirizar o modelo atual.”
Itamar Cunha, da Kellanova, prevê uma piora do cenário tributário pelos próximos seis ou sete anos, até a eliminação das complexidades atuais. “São dois sistemas totalmente díspares, um que é extremamente complexo e um que ninguém conhece. Sabemos que o sistema que está vindo funciona bem em outros países, como nos da Europa, mas no Brasil nossos profissionais não estão acostumados a trabalhar com ele.”
As lideranças da empresa do setor alimentício, disse o executivo, já estão cientes da necessidade de trazer treinamentos a diversos times, não só o fiscal, mas de vendas, compras, contabilidade e financeiro. “Temos outras áreas que também serão afetadas, precisamos trazer esse conhecimento. Muito em breve, questões logísticas, cadeias, fornecedores etc., tudo isso será afetado.”
Você pode assistir de novo ao painel que foi ao ar, na íntegra, clicando aqui.