Compartilhe
11 de setembro de 2020
Desvios de conduta por parte de colaboradores, intencionais ou não, podem impactar fortemente um negócio, prejudicando clientes, outros profissionais, o mercado ou a própria organização, caso as práticas de má conduta não sejam identificadas, tratadas adequadamente e reparadas a tempo. Preveni-las sempre que possível deve estar no radar de toda e qualquer empresa, independente da área do negócio. Porém, como fazer isso de maneira assertiva?
A resposta clássica sempre residiu em estabelecer meios eficientes de verificação, canais de comunicação funcionais e bons mecanismos de controle, além de políticas internas robustas, que reflitam a preocupação da alta administração em dar o exemplo aos demais profissionais.
Covid-19 reforça necessidade de prevenção
A pandemia, no entanto, trouxe uma nova dimensão aos desafios de identificar e prevenir desvios de conduta. Em pesquisa conduzida pela Association of Certified Fraud Examiners (ACFE) em 2020, 68% dos respondentes observaram um aumento de fraudes desde o início da crise da Covid-19. O aumento de atividades fraudulentas no próximo ano é esperado por 93% dos respondentes da pesquisa, como um reflexo da pandemia.
“Com a crise, para que as empresas pudessem continuar operando, elas tiveram que flexibilizar seus processos. E a flexibilização, embora necessária, traz também brechas para que ocorram eventos de desvios de conduta, pois a gestão se tornou mais distante da operação”, explica Camila Boretti, sócia de Risk Advisory e líder da prática de Riscos Operacionais da Deloitte.
“Algumas empresas vêm enfrentando, sim, problemas reais nesta crise, em função de seus protocolos de operação. Em outras, quando se fala da conduta com base em fraudes, surge uma possibilidade futura no aumento de relatos destes casos”, analisa Alex Borges, sócio de Risk Advisory e líder das práticas de Riscos Regulatórios e Riscos Estratégicos da Deloitte.
Olhar atento é essencial
Entre os desvios de conduta mais comuns, e que trazem mais riscos potenciais às organizações, estão: fraudes em compras, licitações ou em processos concorrenciais; situações de conflitos de interesse; adulteração de dados em relatórios de resultados e balanços financeiros; desvios de recursos ou de bens da organização; suborno e pagamento de propina; lavagem de dinheiro; vazamento de informações; assédios (moral, sexual); corrupção ou tentativa de corrupção. Caso cheguem ao conhecimento do mercado, tais fatos podem ter consequências desastrosas.
Eduardo Rocha, diretor da área de Risk Advisory da Deloitte, ressalta que os riscos de conduta podem ser gerados por colaboradores conscientes, ou não, de estarem agindo em desacordo com os valores de integridade e de ética organizacional. Por isso, é importante a empresa ter um olhar para dentro e mapear seus riscos de exposição (veja quadro abaixo).
A tensão no ambiente de negócios e as naturais pressões que surgem, sobretudo no contexto da pandemia, com a necessidade de reinvenção para a própria sobrevivência, dificuldades financeiras e desafios de caixa, preocupações com a manutenção dos postos de trabalho e maior propensão a ataques cibernéticos aumentam os riscos, segundo Camila Boretti. “Muitas vezes, observamos a cultura com base em resultados a qualquer custo. Quando se fala ‘a qualquer custo’, o padrão de certo e errado começa a ficar distorcido”.
“Sem mecanismos de gestão e de vigilância que consigam garantir que o comportamento dos colaboradores esteja em linha com a cultura ética da organização, haverá invariavelmente uma exposição de imagem, reputação, impactos financeiros e confiança do mercado”, diz Eduardo Rocha.
Perfil dos colaboradores
Tradicionalmente, trabalha-se com a identificação e monitoramento de diferentes perfis de colaboradores na gestão dos riscos de conduta no dia a dia das organizações.O perfil verde (profissionais plenamente alinhados aos princípios éticos da empresa) é composto pelos colaboradores que nunca cometerão nenhum ato ilícito, mesmo que tenham a oportunidade. Eles representam cerca de 10% do corpo de uma organização.
Cerca de 80% dos colaboradores estão no chamado perfil amarelo. São aqueles profissionais que, se conseguirmos trazer a visão da ética e das boas práticas da organização, com apoio de mecanismos e orientações de ética e conduta, seguirão para a chamada linha verde. Em oposição, os restantes 10% (perfil vermelho) são os que mais podem causar riscos e danos – de fraudes em processos, documentos e relatórios a repassar dados e informações a concorrentes, por exemplo, passando por práticas de assédio e outras más condutas.
Para que a empresa não corra riscos, as normas de conduta precisam estar cada vez mais consolidadas nas organizações, com regras claras e canais de comunicação eficientes sobre os procedimentos e práticas a seguir. Camila Boretti destaca que a cultura da organização é muito importante, por estar vinculada à estrutura da empresa. “Abrir uma denúncia num canal de ouvidoria, por exemplo, está muito relacionado à maturidade que a empresa tem para lidar com o assunto”. Hoje, por conta do contexto da crise, os controles podem ficar prejudicados pelo receio em fazer denúncias, diante da necessidade de preservar o próprio emprego.
Soluções de defesa
Há três linhas de defesa que devem ser endereçadas para que as organizações possam mitigar os riscos da prática de má conduta o mais cedo possível. “Muitas organizações já contam hoje com o conceito de um diretor de Riscos de Conduta, para supervisionar o assunto, trazendo o protagonismo e responsabilidade dessa gestão também para sua primeira linha de defesa”, afirma o especialista da Deloitte.
Esse gerenciamento envolve aspectos de governança, cultura organizacional, riscos e implementação de tecnologias para controle. “A abordagem precisa ser extremamente ampla e holística, de forma a gerir melhor os riscos, em aspectos preventivos e detectivos. Há um trabalho direto com a cultura, nos pilares de conscientização, mensagens que vem de cima para baixo, políticas e procedimentos”.
Em primeiro lugar, a empresa deve se preocupar em gerenciar suas práticas de negócio e aspectos de governança, estabelecendo com clareza papéis e responsabilidades, estruturando seus comitês de ética e conduta e os códigos de procedimentos, que devem ser comunicados e operacionalizados com eficiência. A segunda etapa compreende, entre outros pontos, trabalhar nos aspectos culturais das organizações e entender os riscos mapeando os processos que causam a maior exposição da empresa, o que deve ser acompanhado de treinamentos dos colaboradores e reforço das mensagens, principalmente, vindas da alta administração, o chamado tone at the top.
Na terceira fase, a organização deve se preocupar em mitigar os riscos adotando linhas de defesa, como respostas regulatórias a incidentes de conduta; auditoria interna com foco em gestão de conduta e prevenção a perda; apuração de relatos feitos em canais de denúncias; políticas de consequências e até mesmo a realização de entrevistas demissionais com maior aprofundamento. Por fim, entram tecnologia e soluções de data analytics, para dar mais inteligência e eficiência aos processos, já na fase de evolução, inclusive com a criação de modelos preditivos.