Compartilhe
31 de outubro de 2019
Em um cenário de incertezas econômicas, é natural que as empresas planejem com mais cautela suas estratégias de M&A (do inglês mergers and acquisitions, ou “fusões e aquisições”). Seja para fortalecer sua presença, expandir mercados ou agregar novos produtos e serviços às suas linhas de negócios, as perspectivas para essas operações na América Latina, e em especial no Brasil, são favoráveis no momento, a despeito da instabilidade enfrentada nos últimos anos.
É justamente o processo de recuperação da crise – que provocou uma redução acentuada nos preços dos ativos locais – que vem contribuindo para atrair investidores esperançosos de que as reformas prometidas pelo atual governo federal saiam do papel. Além disso, fatores como a desburocratização, o maior acesso ao crédito e o estabelecimento de novos acordos comerciais com potências econômicas ajudam a formar um cenário positivo. A análise é feita por Venus Kennedy, sócia da área de Consultoria Empresarial e líder da prática de M&A da Deloitte, e Guilherme Machado, diretor da prática de M&A da Deloitte.
O futuro para as operações de fusões e aquisições é visto com otimismo no País, com a expectativa de um aumento nesses negócios – tanto com transações de organizações estrangeiras, interessadas em empresas brasileiras, quanto com operações envolvendo empresas locais.
Há, claro, problemas a superar, aponta Guilherme Machado. “Os investidores se mostram bastante otimistas com o panorama econômico do País a médio prazo, mas ainda existe um ceticismo – principalmente se as reformas começarem a demorar ou se não tiverem o efeito esperado”, diz. “Há ainda fatores externos, como a guerra comercial China-Estados Unidos, que podem influenciar o apetite dos investidores no País mais à frente”, afirma.
Para Venus Kennedy, o Brasil continua a ocupar uma posição de destaque no panorama global, como um ótimo lugar para investimentos – tenham eles motivações financeiras ou estratégicas. “Em nossas conversas com executivos internacionais, eles dizem ‘precisamos estar presentes no Brasil’. Quando uma empresa entende bem o mercado brasileiro e aprende a operar localmente, a possibilidade de estabelecerem negócios lucrativos aqui é alta”, destaca ela.
Estratégias
Antecipar negócios, posicionar-se frente aos concorrentes, e planejar os investimentos são algumas das questões endereçadas pelas empresas em busca do sucesso no processo de fusões e aquisições.
“Muitos investidores estão alavancando sua estratégia de M&A ao antecipar a concorrência na identificação de oportunidades de aquisições. Um ponto importante é a realização de um processo minucioso de análise de due diligence (levantamento de informações sobre a empresa) e valuation (informação do valor real de determinada empresa), que identifique potenciais entraves ao negócio e que permita uma precificação realista dos ativos”, pontuam os especialistas.
Para garantir uma aquisição de sucesso, esses investidores precisam antecipar também os caminhos a serem percorridos para capturar o valor esperado da transação. Quanto mais cedo o processo de integração iniciar, maior a chance de sucesso. No entanto, isso deve ser feito de maneira coordenada e envolvendo os principais líderes na tomada de decisão.
O envolvimento de equipes locais com experiência nesse tipo de processo é outro elemento crucial, por conta da maior familiaridade com as complexidades tributárias, regulatórias e jurídicas do Brasil.
“Já vimos algumas empresas multinacionais recém-chegadas ao Brasil que deixam de considerar aspectos cruciais e específicos desse mercado. Esses erros são comuns e podem reduzir o valor de uma transação”, adverte Venus. “Existem questões na legislação brasileira que não existem em outros lugares do mundo. Investidores que não conhecem bem o mercado sempre pedem confirmações dos especialistas locais, pois não conseguem compreender alguns dos requerimentos legais e regulatórios”.
As empresas brasileiras estão submetidas a uma alta carga tributária; a uma legislação trabalhista que, apesar de ter sido atualizada, ainda carece de ajustes às novas relações de trabalho; e a uma infraestrutura que não corresponde às necessidades operacionais. Todos esses desafios demonstram que as organizações possuem uma capacidade de adaptação e resiliência extraordinárias. Mesmo com todas as dificuldades, existem muitas companhias atraentes por serem sólidas e altamente rentáveis.
“Entre os pontos que as empresas brasileiras devem focar para atrair investimentos podemos citar uma maior aderência a padrões internacionais em seus relatórios financeiros (muitas ainda não utilizam o IFRS) e a otimização de suas estruturas de custos pela adoção de inovações tecnológicas (como automação de processos por robótica – RPA), além da avaliação de novas fontes de receita”.
O que as empresas podem fazer para se tornarem mais atrativas aos investimentos?
O primeiro passo é a organização. Pode parecer pouco importante, mas investidor nenhum quer colocar seu dinheiro em uma empresa que não possui demonstrações financeiras claras e compreensíveis alinhadas às melhores práticas de mercado, como o IFRS. Além disso, ter uma estrutura de liderança bem consolidada e processos já estabelecidos é essencial para passar segurança aos investidores.
O segundo ponto é o planejamento. As organizações precisam ter clareza de quem são, do momento atual do seu negócio, do tipo de investimento que querem e para onde irá esse investimento. Sem esta compreensão, não há como atrair investidores de forma eficiente e eficaz. Estabelecer essa estratégia faz todo o processo fluir melhor, seja por IPO, M&A ou apenas busca de capital. Tanto na posição de “comprador” quanto de “vendedor”, ter metas bem definidas é fundamental para alcançar o máximo de resultado.
Por fim, é necessário dedicar esforços para a preparação. A grande maioria das empresas não está pronta para enfrentar o processo de M&A. As decisões devem estar ancoradas nas melhores práticas e em experiências, sempre alinhadas aos objetivos estratégicos iniciais.