A oferta de serviços digitais pelos bancos e a própria interação virtual com os clientes são páginas viradas. Há algum tempo, essas características deixaram de ser vantagens para se tornarem apenas o básico. Chegou a hora de dar um salto. Mas que salto é esse? E quão difícil será isso para os prestadores de serviços financeiros?
Essas são algumas das perguntas que a Accenture tenta responder em um estudo publicado em 2017, chamado “Accenture Financial Services – Estudo Global de Consumidores, Distribuição e Marketing”. Ao todo, foram ouvidos 32.715 clientes de serviços bancários, seguradoras e de assessorias em investimentos, em 18 mercados, incluindo o Brasil.
A pesquisa é focada nos desejos das pessoas no presente – como querem interagir com os bancos e até que ponto a inovação digital pode englobar valores tradicionais. A primeira lição de casa, portanto, é fazer uma ponte entre a presença física e uma experiência digital avançada, que conta até com a entrada de robôs.
Segundo o estudo, sete em dez clientes usariam serviços baseados em robo-advisor, ou seja, consultoria gerada por computador, sem orientação humana. Eles estariam abertos a ouvir os conselhos de um robô sobre qual tipo de conta abrir (71% globalmente e 84% no Brasil), qual cobertura de seguro contratar (74% globalmente e 87% no Brasil) e como planejar a aposentadoria (68% globalmente e 84% no Brasil).
Além disso, 78% dos consumidores (89% no Brasil) gostariam de contar com robo-advisor para tomar decisões quanto a investimentos tradicionais, onde a tecnologia surgiu pela primeira vez.
Por outro lado, outra parcela significativa das pessoas ouvidas, quase dois terços, sente a necessidade de falar com gente pessoalmente, em agências, para dar um destino a reclamações (68% globalmente e 84% no Brasil) e tirar dúvidas sobre produtos complexos, como o financiamento de imóveis (61% globalmente e 80% no Brasil).
Para 59% dos entrevistados, os terminais eletrônicos avançados são fundamentais, enquanto 55% querem dispositivos à mão nas agências para acessar os serviços bancários on-line.
Nesse contexto, as empresas do setor bem-sucedidas no futuro breve serão aquelas com uma estratégia mista, que combina tecnologia e equipe em agências, e dá poder de escolha ao cliente.
Google, Apple, Facebook e Amazon entram na jogada
As gigantes da tecnologia, reunidas sob o acrônimo GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple), podem ser os novos players do setor de finanças, pelo menos no que depender dos consumidores. A pesquisa conduzida pela Accenture aponta que uma parcela dos entrevistados mudaria para uma dessas quatro empresas se elas oferecessem serviços bancários (31% globalmente e 50% no Brasil), de seguros (29% globalmente e 47% no Brasil) e de consultoria financeira (38% globalmente e 48% no Brasil). Entre os mais jovens, os percentuais são ainda maiores – 41% entre os entrevistados da geração Z (contra 8% entre os idosos e 36% entre a geração Y).
Isso porque essa população está acostumada a serviços reativos e sob medida. Eles querem se envolver cada vez mais, via plataformas online, para ajudar a moldar futuros produtos e serviços bancários que satisfaçam suas necessidades.
Mas não só as companhias do seleto modelo GAFA são capazes de ameaçar instituições tradicionais. Redes de varejo e supermercados também podem pressionar o setor de finanças: 31% dos consumidores em todo o mundo – e 40% no Brasil – migrariam se houvesse a oferta de serviços bancários e de seguros (30% globalmente e 38% no Brasil).
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Inteligência artificial na relação com clientes:
Segundo Marcelo Mussi, líder da área de serviços financeiros para a América Latina da Accenture, uma tendência é usar robôs em call centers. Eles são capazes de reconhecer os sentimentos dos clientes. Desse modo, o computador toma a decisão de transferir a ligação para um atendente com um perfil psicológico conciliador, por exemplo. Já existem tecnologias para isso, embora nenhum call center ainda tenha se lançado a adotar a novidade. “A vantagem é capturar o momento de insatisfação do cliente rapidamente e resolver o problema, evitando que ele reclame na internet”, diz. Isso exige montar um call center inteiro usando inteligência artificial e contar com células segmentadas com profissionais altamente treinados para lidar com cada tipo de situação. “O desafio não é ter a tecnologia para isso, mas sim decidir criar um novo ecossistema do zero”.
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Bancos digitais
a Accenture está por trás da inauguração de um banco brasileiro totalmente digital, que permite abrir uma conta em três minutos usando apenas o celular. “É disruptivo abrir mão da presença física e do papel, em um setor conhecido pela burocracia”, afirma Mussi.
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Automóveis financiados
um grande cliente do setor de financiamento de carros convocou a Accenture para mudar sua forma de operar. No modelo tradicional, eram necessários dois dias para avaliar se o comprador tinha crédito para comprar o veículo. Assim, a venda era realizada e havia o risco de o financiamento não ser aprovado. Agora, o processo foi invertido. De saída, o vendedor sabe se o cliente tem crédito e de quanto, tudo na hora. “A operação é feita em dez minutos, pelo celular, via assinatura eletrônica. É um modelo de gestão de risco que olha para o indivíduo e seu histórico, sem aplicar taxas universais”, explica. O novo formato permite usar dados para sugerir uma compra mais vantajosa, gerando valor para quem compra e para quem vende e muda toda a dinâmica do mercado.
Dados pessoais como moeda
O estudo também detectou que os consumidores estão dispostos a compartilhar seus dados pessoais em troca de benefícios, como juros reduzidos, reconhecimento e produtos especiais. Globalmente, 67% concederiam ao banco acesso a mais informações privadas, mas 63% desejariam, em troca, assistência personalizada e ser visto como prioridade.
Quase metade (48%) dos clientes querem orientações relevantes e informações sobre produtos ao seu alcance enquanto se dedicam às suas tarefas diárias. Por exemplo, desejam que os bancos enviem informações sobre as melhores opções de financiamento imobiliário quando estão no processo de compra de um imóvel.
O mesmo número de clientes quer que os bancos tenham um papel de apoio no processo de aquisição de produtos e serviços não bancários – como uma casa ou um carro. Eles dizem que os bancos poderiam ajudá-los enviando informações úteis com base em localização, faixa de preço e outras preferências.
O principal fator de fidelidade para 43% dos clientes é poder confiar que os bancos irão proteger suas informações pessoais. Hoje, as instituições são vistas como guardiãs mais confiáveis do que as seguradoras – apenas 57% dos clientes de seguradoras estão dispostos a compartilhar mais dados pessoais versus 67% dos correntistas. Assim, os bancos têm mais espaço para moldar negócios digitais disruptivos.
Para Marcelo Mussi, líder da área de serviços financeiros para a América Latina da Accenture, isso passa por construir um novo ecossistema, que permita ter boas ideias e colocá-las para funcionar rapidamente. “Para isso, as instituições financeiras precisam ir além de seus territórios”, diz. “Por exemplo, não existe, dentro dos bancos, a carreira de cientista de dados ou de especialista em analytics. E elas são fundamentais para os avanços desejados. Nesse sentido, depende-se de parcerias”.
A Accenture enxerga esse gap como uma oportunidade de convergência. São estruturas que englobam startups, centros de inovação, estúdios e “garagens” e permitem criar soluções a jato e lançar protótipos que atendam a seus clientes. “A complexidade é fazer isso em escala. Estamos bem posicionados. Não queremos simplesmente ser os primeiros, mas garantir que haverá iniciativas inovadoras prontas para o mercado assim que nossos clientes quiserem”.
O executivo enxerga o Brasil como um país avançado no setor, com soluções que não são menos eficientes e inovadoras do que em outras localidades. O desafio, porém, é que o digital tem penetração diversa por aqui. Em rincões, o acesso à internet é limitadíssimo, quando existe.
Mas há maneiras de, ainda assim, inovar digitalmente. Mussi cita o exemplo de um banco indiano, atendido pela Accenture, que transformou suas 20 mil agências em hubs de tecnologia. Elas foram totalmente remodeladas e, hoje, pequenos comerciantes podem usar a estrutura para fazer negócios ali. Os terminais de autosserviço foram digitalizados para acelerar a resolução de demandas via caixa eletrônico. “Não dá para esperar que um país tenha a infraestrutura adequada para usufruir da tecnologia. Há outras formas de fazer”.