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19 de junho de 2017

Saiba por que o setor elétrico precisa se reinventar – e rápido

As concessionárias de energia no Brasil precisam ficar atentas ao risco iminente de perda de receita e da capacidade de hospedagem. A tendência é apontada por estudo da Accenture divulgado em maio de 2017.

Ao todo, foram ouvidos 100 executivos do setor, em mais de 20 países, incluindo o Brasil. Para 58% deles, em 2030, a opção dos clientes por meios de geração distribuída – uso de painéis solares fotovoltaicos residenciais, por exemplo ­– culminará em lucro menor. Empresas da América do Norte e da Ásia são as que reportam preocupação mais aguda neste momento.

No contexto global, para 59% dos entrevistados, a maior ameaça no horizonte são os produtores de energia com geração distribuída em pequena escala. Outros 28% temem a geração distribuída conectada à rede de média ou alta tensão – usinas de energia solar de maior porte.

A maioria (59%) espera aumento nas falhas encontradas na rede elétrica até 2020. E o cenário fica ainda mais preocupante quando esse mesmo percentual prevê a exaustão da capacidade de hospedagem de geração distribuída na rede em dez anos, ou antes.

Por que tanto medo?

Assim como tantos outros setores, o elétrico tem potencial disruptivo notável. A combinação entre o apelo ambiental da energia limpa e a evolução tecnológica possibilita que cada vez mais gente se interesse por gerar a própria energia em casa usando, principalmente, as placas fotovoltaicas. Além disso, já existem hoje opções mais em conta de armazenamento energético em bateria. As pessoas e as empresas consumidoras de energia têm nas mãos um poder nunca antes imaginado.

“O consumidor está empoderado – para usar um neologismo da moda. Ele sempre foi passivo, mas isso mudou”, avalia Adriano Giudice, líder da área de Utilities da Accenture para a América Latina. “Ele quer ser independente, aumentar a qualidade do fornecimento. No fim das contas, o desejo é de um novo estilo de vida.”

Para o executivo, a rápida proliferação do uso de painéis fotovoltaicos já tem impactado a operação, causando instabilidade e sobrecarga nas redes. “Trata-se de um duplo impacto: as concessionárias perdem receita ligada ao consumo, que é menor, e precisam investir mais em redes que se tornam mais complexas a partir de demandas individuais. Gasta-se mais para poder suportar a geração distribuída”, explica.

Para se ter uma ideia, o reforço das redes elétricas para suportar a geração distribuída deve custar 20 bilhões de dólares até 2030, nos Estados Unidos, e 50 bilhões de euros na Europa.

Nova mentalidade para aumentar a receita

O maior desafio para as concessionárias neste momento é pensar em como investir em novas ofertas de serviço. A pesquisa da Accenture revela que soluções de rede inteligentes voltadas para o cliente, chamadas smart grid, poderiam reduzir gastos em reforço de redes de pequena escala em cerca de 30%.

A economia está apoiada em tecnologias que otimizam as redes e as tornam mais eficientes. Já é possível localizar trechos onde os gastos com reforço seriam maiores, o que permite direcionar melhor o dinheiro, uma vez que o reforço é aplicado somente onde é necessário.

“Para sobreviver, é necessário mudar o modelo. E as empresas de energia sabem disso. Segundo nossa pesquisa, 70% dos entrevistados esperam evolução no papel das distribuidoras”, diz Giudice.

Ao transformar o desafio em oportunidade, é possível, por exemplo, que as concessionárias passem a gerenciar e integrar recursos distribuídos conectados às redes elétricas. A aplicação de soluções tecnológicas de smart grid será fundamental para monitorar e controlar  os fluxos de potência em tempo real, o que ajudará a controlar a geração distribuída com maior eficiência.

“Não existe solução que interesse a todas, mas vemos as distribuidoras se posicionando como empresas baseadas em soluções de energia, não mais vendedoras de commodities.”

A lição de casa envolve entender o consumidor para melhorar a qualidade do fornecimento. As empresas podem oferecer consultoria em consumo, fazendo previsões de gasto ou controlando equipamentos para aumentar a eficiência energética. O cliente deve ser parte da empresa e, desse modo, ser percebida como parceira.

Quão distante essa realidade está do Brasil?

O líder da Accenture prevê que essa transformação irá ocorrer por aqui independentemente dos entraves regulatórios (na verdade, o ambiente é propício) e vai partir do consumidor.

Hoje, temos apenas dez mil instalações de geração distribuída, mas o crescimento é exponencial. Já aconteceu na Europa. Na Alemanha, são dois milhões de equipamentos instalados. Isso promove uma revolução no modelo de negócio, pressionando uma indústria conservadora que está acostumada a investir e esperar retorno em 40 anos.

Caso as empresas sejam incapazes de mudar sua forma de atuar, é esperado que companhias de outros mercados entrem como concorrentes agressivas.

Os setores de tecnologia da informação, telecomunicações e automação estão de olho e querem dominar a casa conectada do futuro. Já existem iniciativas nesse sentido. O Google comprou a Nest, uma empresa de termostatos inteligentes que aprendem com a rotina dos moradores e oferecem a temperatura mais adequada sozinhos. “Nesse novo mundo, os concorrentes surgem de onde menos se imagina”, diz Giudice.

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