Existe um mito, entre muitas pessoas que gostam de cachaça, de que bebida boa é a “cachacinha da roça” produzida artesanalmente, cuja garrafa nem sequer tem rótulo. Aparentemente inofensiva, essa visão romântica ajuda a alimentar um dos principais problemas do setor: a informalidade. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2017, existem pouco mais de 11 mil produtores de aguardente de cana-de-açúcar (o que inclui a cachaça) no Brasil. No entanto, somente cerca de 1,5 mil são registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Os demais produzem o líquido à margem da lei.

Diversos impactos negativos estão associados à produção clandestina, a começar pela ameaça à saúde do consumidor e ao meio ambiente. Destilarias com registro precisam seguir protocolos sanitários desenvolvidos com o objetivo de garantir que o produto não ofereça riscos ao consumo humano e à natureza.

O mercado clandestino ainda favorece o emprego informal, promove concorrência desleal e prejudica o país como um todo. “A informalidade causa evasão fiscal, deixando de beneficiar a sociedade com os investimentos sociais que poderiam ser feitos com os recursos de impostos recolhidos”, afirma Cristiano Lamego, superintendente executivo do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (SindBebidas-MG).

Para Carlos Lima, diretor executivo do IBRAC, o combate à informalidade é tarefa de todos os agentes envolvidos na cadeia. “Cabe ao IBRAC e aos produtores legalizados darem orientação sobre esse problema. Os órgãos competentes devem aumentar a fiscalização no setor, enquanto donos de bares e restaurantes devem fazer a sua parte comprando somente bebidas com registro. Os consumidores, por sua vez, devem adquirir apenas cachaças legalizadas”, diz. Para se certificar de que a cachaça é legalizada, procure no rótulo o registro no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e, se estiver tomando uma dose em um bar ou restaurante, exija que a garrafa seja trazida à mesa e servida na sua frente, de forma que você possa checar o rótulo.
Impostos altos
Um dos grandes motivos para a clandestinidade é a carga tributária que incide sobre a cachaça, entre as mais altas do país. Os impostos representam 81,87% sobre o preço de venda da bebida, segundo estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Em janeiro, o Brasil deu um grande passo no combate à informalidade, com a inclusão de micro e pequenas destilarias no Simples Nacional, regime tributário que facilita o recolhimento de contribuições para empresas com renda bruta anual de até R$ 4,8 milhões. A alíquota sobre pequenos produtores varia de 4,5 a 30%, a depender do faturamento. Em alguns casos, a redução de impostos chega a 70%, segundo o representante do SindBebidas..

Os resultados já começam a aparecer. “Temos recebido vários contatos de produtores informais procurando orientação sobre como se legalizar. Também percebemos um movimento de redução dos preços em função da queda do custo tributário”, informa Lamego. 

Apesar de representar um avanço, a medida não resolve o problema do setor. Médios e grandes produtores sofreram com a mudança no cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre as bebidas quentes, adotada em 2015. De acordo com o Lamego, em alguns casos, o reajuste resultou em um aumento de mais de 330%, apenas no valor do imposto. “O governo precisa entender a importância econômica, cultural e histórica da cachaça, para que o custo tributário seja compatível com a relevância da bebida.”

“Uma revisão da carga tributária do setor pode resultar em uma arrecadação e um crescimento sustentável durante os próximos anos”, atesta Carlos Lima.

“O crescimento ficará comprometido se as políticas públicas não forem revistas”, ressalta João Eloi Olenike, presidente executivo do IBPT, que completa: “Sem um olhar criterioso para a composição da carga tributária incidente sobre a cachaça, dificilmente o mercado se desenvolverá.”