Em meados de 1600, Gregório de Matos já se referia à cachaça em seus poemas barrocos. Ao longo do ciclo da cana-de-açúcar, que durou até o século XVIII, os alambiques se proliferaram pelo país e a bebida tornou-se a preferida dos moradores da colônia. Na Revolução Pernambucana de 1817, insurgentes trocaram o líquido pelo vinho na missa, em um ato contra a opressão portuguesa. Um século depois, o casal de artistas Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral levava a aguardente em frascos de perfume a Paris, com a intenção de divulgá-la por lá.

A cachaça, que tem o seu dia nacional comemorado em 13 de setembro, nasceu praticamente junto com o Brasil, inventada há cerca de 500 anos em um engenho desconhecido do litoral brasileiro. Trata-se do primeiro destilado da América Latina, mais antigo que o pisco peruano, o rum caribenho e a Tequila, segundo Jairo Martins, estudioso do assunto. Ao longo de sua trajetória, o líquido conquistou o território nacional e caiu nas graças de todas as classes sociais.

Apesar da longa trajetória, esse orgulho brasileiro ainda tem desafios a vencer. O mercado reúne cerca de 4 mil marcas, pertencentes a mais de mil produtores registrados no Ministério da Agricultura. Com capacidade instalada de produção de 1,2 bilhão de litros, o setor gera mais de 600 mil empregos, direta e indiretamente, segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC). Os números são grandiosos, porém podem ser muito maiores se a bebida conquistar o mercado internacional. Atualmente, apenas 1% da produção segue para outros países. Para efeito de comparação, em 2017, o Brasil exportou US$ 16 milhões em cachaça, ante US$ 1,4 bilhão exportado pelo México em Tequila, o equivalente a 70% da produção local.

Um dos fatores fundamentais para o destilado brasileiro atingir o status das duas bebidas estrangeiras é a evolução de normas de controle seguindo padrões internacionais. “No México, o governo criou com produtores um conselho regulador da Tequila. Todo mundo tem de cumprir a lei. A população se apropriou da bebida e tem orgulho dela”, afirma Vicente Bastos Ribeiro, produtor da Fazenda Soledade, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.

Durante os últimos anos tem se observado importantes ações rumo à valorização da cachaça  através do  reconhecimento internacional de origem exclusiva brasileira. Em 2013, a lei americana passou a considerar a nossa aguardente como um produto exclusivamente brasileiro. Em outras palavras, somente garrafas que saem do Brasil podem ser vendidas nos Estados Unidos com o nome de cachaça, regra seguida também na Colômbia e no México. É pouco, frente às 46 nações que protegem a tequila como um bem mexicano, mas um avanço. “Não queremos que a cachaça siga o exemplo do rum, que pode ser fabricado em todo o planeta”, afirma Ribeiro. No momento, as tratativas são pelo reconhecimento da União Europeia.

Também pesa a favor do Brasil a tendência de sofisticação da cachaça. “Em todas classes sociais, as pessoas estão procurando produtos de qualidade”, afirma Juliana Ballarin, gerente da categoria de Cachaça na Diageo, maior produtora de destilados do mundo e responsável pelas marcas Ypióca (a foto que ilustra a matéria é do parque de envelhecimento da empresa) e Nega Fulô. Ballarin explica que a bebida ganhou complexidade de sabores com o uso de várias madeiras nos barris de envelhecimento. “A madeira está para a cachaça como a uva para o vinho”, diz. De acordo com a gerente, o líquido pode tornar-se refinado, sem abrir mão das raízes. “A Ypióca é a marca mais antiga do país, com 186 anos, e continua preservando seus atributos centenários: tradição, qualidade e orgulho local”, afirma.

Na opinião de Carlos Lima, Diretor Executivo do IBRAC, a bebida tem um potencial do tamanho do da Tequila para o México e do uísque para a Escócia. A oportunidade, no entanto, não é explorada como deveria. “Investir na cachaça é investir no Brasil”, afirma.