As vacinas já livraram o planeta da varíola, doença infecciosa grave e de alta mortalidade. Graças às doses, hoje é possível interromper a transmissão desenfreada de gripes, meningite, sarampo, coqueluche e poliomielite, entre outros problemas. Chama atenção, portanto, que, mesmo tendo criado um programa de imunização reconhecido no mundo todo, o Brasil venha registrando uma queda significativa no número de crianças vacinadas. De acordo com dados de 2019 do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, pela primeira vez, em quase 20 anos, o Brasil não atingiu a meta para nenhuma das principais vacinas indicadas para crianças com menos de 1 ano de idade. Recente pesquisa publicada na revista científica The Lancet acende outro sinal de alerta: analisando a percepção da população de 149 países, incluindo o Brasil, o estudo constatou uma queda no nível de confiança nas vacinas.

 

As lacunas na carteira de vacinação das crianças brasileiras vêm aumentando desde 2015 – no caso da poliomielite, as taxas têm ficado abaixo dos 95% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde 2016 a vacinação não chega a 90%, e em 2019, entre janeiro e setembro, ficou em pouco mais de 51%.

 

“Quem deixa de vacinar os filhos assume uma responsabilidade muito grande. Quando alguém não é vacinado há um retrocesso de quase um século. Isso porque, se houver um descuido, doenças graves como a poliomielite, por exemplo, podem voltar”, alerta o pediatra Clóvis Francisco Constantino, primeiro vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

 

Provocada pelo poliovírus, a pólio é uma doença contagiosa que afeta o sistema nervoso central, podendo causar paralisia das pernas. Embora tenha ficado conhecida também como paralisia infantil, porque ocorre com mais frequência em crianças, quando as defesas ainda estão se desenvolvendo, ela pode acometer adultos também. Tanto é assim que, devido ao risco de contágio em países onde a poliomielite ainda ameaça, o Ministério da Saúde recomenda a vacinação de adultos em viagens a regiões com baixa cobertura vacinal contra a doença ou onde ainda existe a circulação desse microrganismo.

 

 

Dois mitos sobre imunização

 

Em 2019, um estudo feito pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e pela ONG Avaaz avaliou o impacto dessa rede de desinformação entre os brasileiros. De acordo com a pesquisa, 67% dos participantes acreditam em ao menos uma afirmação imprecisa sobre vacinação. Não é de hoje que os especialistas alertam sobre o papel das chamadas fake news nesse cenário, espalhando equívocos como estes:

 

O sistema imunológico fica sobrecarregado se receber muitas vacinas – O infectologista Guido Carlos Levi, secretário da SBIm, é categórico: segundo ele, se 11 vacinas fossem aplicadas no mesmo dia em uma criança pequena, o que não ocorre por causa da estrutura do calendário vacinal, apenas 0,1% do sistema imune seria utilizado. “Análises incluindo de dezenas de milhares a milhões de crianças vacinadas até hoje não revelaram nenhuma evidência de sobrecarga antigênica do sistema imune das crianças”, diz o infectologista.

 

As reações podem ser tão ruins quanto a própria doença – O fato de poder causar febre, dor e edema no local aplicado, respostas que variam dependendo do sistema imune da pessoa, não significa que a vacina ofereça riscos. São reações normais que podem ser controladas com o uso de analgésicos e antitérmicos, desde que indicados por um profissional de saúde.

 

“A epidemia da desinformação é uma doença digitalmente transmissível que muitas vezes mata mais que as próprias doenças provocadas pelos agentes a que estamos acostumados”, pondera o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da SBP.

 

“A epidemia da desinformação é uma doença digitalmente transmissível, que muitas vezes mata mais que as próprias doenças provocadas pelos agentes a que estamos acostumados”. Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)