As mudanças nos hábitos e ideais da Geração Y, esta que chega agora à idade adulta, têm sido um catalisador importante de transformações nas grandes cidades. Espaços de coworking, ciclovias e serviços de compartilhamento são algumas das realidades que hoje fazem parte do dia a dia de uma metrópole e, há dez anos, eram quase inexploradas. Sem dúvida, um dos mais importantes impactos se deu no transporte, atingindo diretamente o mercado de automóveis. Diferentemente da geração anterior, os jovens hoje já não fazem questão de ter um carro próprio: o bem deixou de ser sinônimo de sucesso pessoal, e muitos deles preferem não assumir dívidas para ter um veículo. “Eu não vi nenhuma vantagem em tirar a carteira de motorista nesse momento. Com o trânsito e os gastos com gasolina e manutenção do carro, é mais vantajoso usar transportes alternativos, sejam públicos, como metrô e ônibus, sejam por aplicativos”, diz o estudante Enrico Colombini, de 19 anos. “A carteira [de habilitação] ou um carro na garagem não me fazem nenhuma falta por enquanto”, afirma.

Assim como Colombini, a designer paulistana Paula Viel não sente nenhuma falta de um automóvel. “Tirei a carteira de motorista e confesso que nunca usei”, conta a jovem de 25 anos. Para se locomover ao trabalho ou realizar os serviços de sua ONG para doação de cabelos a pessoas que passam por tratamento quimioterápico, Paula utiliza serviços de compartilhamento de carros e táxis e transporte público. “O que me move a não comprar carro é perceber que os aplicativos facilitaram muito nossa vida nos últimos anos e também acabam poluindo menos a cidade e ajudando a diminuir o trânsito”, completa a designer.

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos pelo Texas A&M Transportation Institute, da Universidade de Michigan, e pelo Transportation Research Institute, da Columbia University, revelou que a presença de aplicativos de mobilidade tem impacto no uso de carros próprios no trânsito. O estudo ouviu 1.200 moradores de Austin, no estado americano do Texas — uma cidade que passou por uma situação única — para investigar o impacto do serviço na vida das pessoas. Uma determinação jurídica proibiu os serviços de aplicativo de mobilidade em 2014, porém, dois anos depois as empresas foram autorizadas a voltar a atuar na cidade. O estudo apontou que, durante a suspensão dos serviços, mais de 40% dos entrevistados voltaram a utilizar os próprios carros e 9% adquiriram um veículo.

Os dados da Federal Highway Administration, agência do departamento de Transportes dos Estados Unidos que auxilia a construção e manutenção das estradas, também indicam queda no número de carteiras de habilitação emitidas entre 1983 e 2014. O índice de pessoas entre 20 e 24 anos de idade com carteira de habilitação foi de 91,8%, 82%, 79,7% e 76,7% respectivamente, nos anos de 1983, 2008, 2011 e 2014. A queda entre os adolescentes com habilitação foi ainda mais acentuada – em 2014, apenas 24,5% deles tiraram a carteira; em 1983, 46,2% tinham licença para dirigir.

José Gustavo Francis Abdalla, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), destaca que o perfil dessa nova geração exige mesmo mudanças na mentalidade de toda a indústria, mas é extremamente benéfico para a evolução das cidades e também para a sustentabilidade. “São jovens com outra consciência do planeta, que buscam qualidade de vida”, diz o professor. Essas características têm estimulado também o surgimento dos chamados prédios inteligentes e estúdios, que trazem apartamentos com medidas bem reduzidas – em média 35 metros quadrados – e menos ou nenhuma vaga de garagem, mas com uma infraestrutura que inclui desde academia e lavanderia até espaços de coworking, além de bicicletas e carros compartilhados para seus moradores.

Segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), o número de novos apartamentos residenciais sem vagas de garagem lançados no município de São Paulo aumentou de 2.346 unidades, em 2016, para mais de 10.850, em 2017, passando de 12,45% dos lançamentos para 38,22% no período. Além da mudança no perfil do consumidor, o crescimento é também fruto do novo Plano Diretor, estabelecido em 2014 para incentivar a construção de prédios com no máximo uma vaga por apartamento, e se intensificou em 2016, com a sanção da Lei de Zoneamento, que acabou com a obrigatoriedade de garagem para prédios residenciais.

Vida transformada

De analista financeira a motorista de aplicativo. De funcionária com horários fixos a profissional autônoma com flexibilidade de agenda. De mãe de fim de semana a mãe que participa do cotidiano do filho. Luísa Pereira (foto acima) viu sua vida se transformar quando perdeu o emprego em uma grande multinacional, cerca de dois anos atrás. Em meio à crise que o Brasil atravessava e diante da dificuldade de se recolocar no mercado – mesmo com duas faculdades e anos de experiência no currículo –, ela decidiu embarcar no até então desconhecido universo dos aplicativos de mobilidade.

“Inicialmente, encarei o desafio com o objetivo de ganhar o suficiente para garantir a escola do meu filho”, revela. Luísa conta que foi uma das primeiras 500 mulheres nesse mercado e precisou aprender sozinha. Enfrentou preconceitos e resistência em casa. “Meu marido ficou um pouco incomodado com a liberdade e a flexibilidade que o trabalho me permitia e acabou um pouco enciumado”, lembra. Mas já no primeiro mês as entradas superaram a mensalidade da escola. Luísa percebeu que poderia tirar dali o seu rendimento, e o marido aceitou, então, a nova rotina da esposa.

Luísa Pereira embarcou no universo dos aplicativos de mobilidade

Em questão de semanas, ela aumentou a carga horária e, como consequência, sua receita. Hoje, dirige a maior parte do tempo para a 99 e, todos os meses, ganha uma média de R$ 25 por hora trabalhada. O valor é pouca coisa menor do que recebia no emprego anterior. Por outro lado, a qualidade de vida é incomparável.

“Consigo almoçar em casa, passo mais tempo com meu filho e não perco as reuniões da escola dele, além de ter mais flexibilidade para os compromissos em família. Somos mais saudáveis simplesmente pela felicidade que o novo formato de trabalho me proporciona”, garante Luísa. O marido, aquele inicialmente resistente, hoje também complementa a renda como motorista da 99.