“Como assim? Uma mulher tirando a vaga de um homem numa universidade de primeira linha, só para esperar marido.” Não foi nem uma nem duas vezes que Heloísa Tricate ouviu essa frase quando entrou na Universidade Federal Fluminense, em 1967. Uma das cinco mulheres que entraram nos cursos de Engenharia naquele ano, que contava com mais de 400 calouros, e a única a cursar Engenharia Mecânica, Heloísa conta que sofreu preconceito de todos os lados – dos colegas, dos professores (nenhuma mulher também no corpo docente), da família… “Foi um choque enorme para mim, as pessoas não conseguiam imaginar que eu não estava ali esperando o casamento para, depois, largar a profissão, mas sim para atuar profissionalmente. Porém, ali aprendi a viver, a me virar e, principalmente, a me posicionar. Depois dos anos da faculdade, nunca mais senti preconceito por ser mulher no ambiente de trabalho”, conta a executiva, que trabalhou 25 anos no Serpro e hoje atua na área de engenharia de valor na empresa de software SAP.
Quase 50 anos depois de Heloísa ter enfrentado os preconceituosos de plantão, as coisas mudaram muito, mas ainda não existe exatamente uma igualdade de condições. Milena Lopes, 22 anos e estagiária do departamento de TI da Siemens, conta que também não vive preconceitos e que nunca teve problemas na profissão por ser mulher, mas reconhece que existem menos mulheres na sua área. “Acho que falta conhecimento prévio das meninas sobre a área de tecnologia e, por isso, o interesse acaba sendo menor. As meninas precisam ter mais contato com as áreas de exatas”, afirma Milena. Ela mesmo sempre gostou das disciplinas mais ligadas à matemática e a lógica, mas quando resolveu fazer um curso de programação, logo no primeiro ano da faculdade, achou que ia ser entediante. “Mas me apaixonei e, ali, acabei definindo de vez minha profissão”, diz ela.
Nem Heloísa nem Milena pensam em mudar de área e fazer outra coisa. “Vejo o mundo cada vez mais conectado, passando por uma tremenda evolução tecnológica, e é no meio dessa revolução que quero estar”, ressalta Milena. “Em que outro lugar eu poderia conversar com jovens adolescentes sem me sentir antiquada? A área me possibilita estar sempre ligada com o que acontece de novo no mundo dos negócios e na sociedade como um todo”, afirma Heloísa.
Para que mais jovens tenham acesso a histórias como essas – de mulheres comuns que descobriram na área de tecnologia um grande caminho profissional – que Cecília Marshall, também executiva do setor de TI há mais de 25 anos, criou recentemente o projeto #SerMulher em Tech. Inspirada por outras jovens que também querem desmistificar o mundo da tecnologia para mulheres de todas as idades, Cecília foca o projeto em entrevistas com profissionais da área, que contam como foi e está sendo sua jornada, quais vantagens e desvantagens da profissão e quais desafios precisam ser vencidos. “Na minha carreira, ter optado pela área de tecnologia me abriu muitas oportunidades, me gerou muitas experiências profissionais e de vida maravilhosas. Não queria que outras meninas tivessem bloqueio de optar pela TI por pura falta de informação. Meu objetivo é inspirar novas profissionais”, conclui Cecília.