A geração distribuída de energia é permitida por lei desde 2012, quando a norma 482 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) foi publicada. Na prática, ela permite que qualquer pessoa ou empresa possa produzir sua própria energia e, em caso de excesso, comercializá-la. No ano passado uma nova norma, a 687, trouxe ajustes e atualizações, mas a produção local e sua comercialização ainda não estão solidificadas no Brasil. O potencial existente para a adoção da geração distribuída de energia no País foi um dos principais temas do encontro “Geração Distribuída com foco em Energia Sustentável”, realizado no último dia 3, na Casa do Saber, em São Paulo. Participaram do evento Guilherme Mattos, gerente comercial da divisão Power & Gas da Siemens, Eduardo Azevedo, secretário de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia, e Alecssandro Gardemann, vice-presidente da ABiogás (Associação Brasileira de Biogás e Biometano).
Um dos primeiros pontos apresentados por eles foi quanto às vantagens da geração distribuída em relação à matriz energética utilizada hoje no Brasil, baseada em grandes hidrelétricas. Mattos, da Siemens, comentou que este é um modelo caro, já que demanda alto nível de investimento e longas linhas de transmissão para levar energia ao centro de consumo. Para o executivo, a geração distribuída é uma alternativa que traz dinamismo ao mercado. “O conceito de geração distribuída trata de projetos menores, mais próximos aos centros urbanos”, diz. Este formato conta com processos de aprovação mais simples e, por seu tamanho, pode atrair outros tipos de investidores, além das grandes corporações. “Tudo isso associado a tecnologias novas”, completa.
O secretário de Planejamento Energético concorda, lembrando que a participação de fontes renováveis de energia ainda é muito pequena no Brasil. “Hoje temos cerca de cinco mil projetos de geração distribuída no País, mas ainda é pouco”, diz Gardemann, da ABiogás, que reforça que o potencial do Brasil em biogás pode chegar a 120 mil GWh. “É o equivalente a uma Itaipu e meia e, além de produzir energia, pode ajudar a resolver problemas de saneamento também”, diz. Ele afirma ainda que se trata da única fonte de energia que pode ser utilizada o ano inteiro, com possibilidade de estocagem. Mattos, da Siemens, cita também o uso de energia eólica, biomassa e solar fotovoltaica e lembra que, em todos os casos, “é preciso fomentar e aprimorar políticas públicas”.
Ainda sobre os benefícios da geração distribuída, Azevedo ressaltou que os apagões vividos pelo Brasil há alguns anos foram resultado de falhas no planejamento ou na execução das linhas de geração e transmissão. “Os grandes empreendimentos têm maior chance de erro, por isso é importante reduzirmos o risco com o uso da geração distribuída, que vai diminuir as perdas e os investimentos em transmissão de energia”, defende.
Referências
Para os especialistas, este potencial existente no mercado brasileiro está começando a mostrar sua força. Gardemann, da ABiogás, lembra que até bem pouco tempo o Brasil não tinha projetos que servissem de referência no uso de biogás para geração, o que obrigava os interessados a trabalhar com projetos0 internacionais. “Hoje, temos pelo menos uma planta em funcionamento para cada tipo de resíduo, todas prontas para a realidade brasileira”, conta, lembrando que boa parte desse progresso veio em função da regulamentação, também de 2015, que reconhece o biogás como gás natural equivalente.
Alguns desses projetos possuem a assinatura da Siemens. Segundo Mattos, a companhia tem hoje referências em aterro sanitário e biogestão de linhaça. “Há um caso específico de uma estação de tratamento de esgoto em Ribeirão Preto (SP), onde o processo de biogestão do lodo gera biogás, que é aproveitado em motores, e a eletricidade gerada pelos motores supre 60% das necessidades da estação”, explica. Outro projeto da companhia está implementado em um edifício comercial na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, que desde 2002 faz cogeração de energia com gás natural. “A eletricidade atende ao edifício e a energia térmica alimenta o ar-condicionado”, diz.
Enquanto o biogás se mostra viável para grandes empreendimentos, como edifícios e usinas, no setor residencial a energia solar fotovoltaica vem se mostrando o meio mais viável de geração. De acordo com Azevedo, 90% dos projetos de energia solar existentes no Brasil são residenciais. “Isso acontece porque é mais barato implementar em residências, já que um painel fotovoltaico tem retorno mais rápido na baixa tensão”, afirma. No entanto, o secretário lembra que já existe lógica econômica para a utilização em shoppings e no comércio.
Gardemann reforça que o principal motivador para a implementação de projetos de geração distribuída é a redução do custo operacional. “Podemos analisar que a partir do momento em que o consumidor investe em geração, ele pode confrontar tarifas praticadas pela rede de distribuição. Quando você tem sua própria planta de geração, seguramente sua energia será mais barata”, compara.
Legislação
Outro forte estímulo aos projetos de geração distribuída é a atualização da norma da Aneel que, de acordo com os especialistas, ficou bem completa. “Apesar de muito focada em energia solar, a norma tem características em que projetos de biogás podem entrar, como a precificação de horário. O biogás pode ser gerado em qualquer horário”, comenta Gardemann. Outro ponto da norma destacado pelo vice-presidente da ABiogás é a possibilidade de criação de consórcios para geração. Numa conta rápida, ele comenta que uma planta de geração de 5 MW já tem escala para a criação de um consórcio reunindo várias pessoas físicas ou jurídicas. “Nesse ponto, a lei está muito boa”, diz.
Azevedo reforça que a possibilidade de os Estados isentarem projetos de geração distribuída da cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) também ajudou bastante. “Vimos a necessidade de permitir que o imposto não seja cobrado”, comenta, destacando que hoje 15 Estados isentam estes projetos do imposto e que isso gera uma série de benefícios acessórios, como geração de emprego e aumento da arrecadação municipal. “Esses serviços vão criar oportunidades para que os geradores privados gerem energia não apenas para eles, mas para vender”, defende.
E isso será bom para o mercado. Para Gardemann, deve levar tempo para que o Brasil passe a contar com diversos provedores locais competindo. “É preciso trazer tecnologia, empresas e fornecedores. Por isso essa postura do Ministério é muito boa. Essa sinalização tem que vir. Com a sinalização, o espírito dos empresários vai se acender”, comemora.
Essa postura, segundo Azevedo, deve permanecer. O secretário afirma que o Ministério de Minas e Energia trabalha com horizontes de dez e de 50 anos. Em dezembro, o ministério deve publicar o PDE (Plano de desenvolvimento Energético) válido para o período 2017- 2025, já com a inserção de geração distribuída por região. “Entendemos que o potencial de fontes específicas deve ser determinado por região”, comenta.
Profissionais
Se o mercado está em formação, vai demandar profissionais que, de acordo com Gardemann, também serão desenvolvidos. “Isso vai acontecer naturalmente. No caso da geração distribuída, a maior dificuldade é aculturação das concessionárias”, acredita. Para Mattos, da Siemens, há a necessidade não apenas de se capacitar os profissionais, mas também de transferir conhecimento para a sociedade, que ainda precisa entender como se beneficiar da geração distribuída. “É uma retroalimentação positiva. Hoje temos boas escolas capacitando profissionais, como o Senai, que já tem formação continuada em algumas regiões do Brasil”, diz. A própria Siemens, graças aos projetos já realizados globalmente, tem uma base de conhecimento que lhe permite criar centros de formação interna.