Quando se fala em fontes alternativas de energia, logo se pensa em grandes parques de energia eólica ou em painéis de energia solar fotovoltaica. Até aqui, a bioenergia – produzida a partir de resíduos e efluentes – não era tão conhecida, mas essa é uma realidade em transformação.
De acordo com Alessandro Gardemann, vice-presidente da ABiogás (Associação Brasileira de Biogás e Biometano), a bioenergia não é tão popular porque carrega um grande passivo histórico. “No mundo inteiro o biogás tem um histórico de tratamento de resíduos e efluentes, não de geração de energia”, diz. Além disso, como é uma tecnologia muito eficiente no tratamento ambiental, a geração de energia acaba sendo vista como subproduto. “Desde que o efluente fosse tratado, todos estavam satisfeitos”, comenta.
O executivo lembra que os primeiros projetos de biogás surgiram no Brasil nos anos 70 e 80, mas sempre focados no tratamento de resíduos em pequena escala, logo, não vingaram. Outros projetos surgiram no início dos anos 2000, mas com foco na geração de créditos de carbono. De novo, não foram adiante como fontes de geração de energia.
“Além disso, ao contrário do Brasil, a escala gerada por resíduos orgânicos em outros países é muito pequena”, diz, lembrando que por aqui, levando-se em conta apenas os resíduos produzidos em frigoríficos e na indústria de cana, esse potencial já é maior que em outros países. Gardemann reconhece que esta é uma realidade que está mudando em todo o mundo, mesmo que por razões diversas.
Muitos países, como Estados Unidos e China, estão adotando o gás natural em substituição ao diesel como combustível de suas frotas pesadas. Na Suécia, todos os veículos da frota pública estão migrando para o biometano. “Nossa visão é de que o ciclo a gás é muito eficiente. Permite fazer energia elétrica, energia térmica e combustível. Por isso a cogeração faz muito sentido”, defende o executivo, que ressalta tratar-se da única energia renovável que não depende de sol ou vento.
O fato é que esta versatilidade começa a ser reconhecida pelo governo federal que, em janeiro de 2015, regulamentou o biometano como GNR (Gás Natural Renovável), abrindo as portas para que ele possa ser vendido em postos de gasolina e injetado em gasodutos. Além disso, os leilões de energia também passaram a reconhecer o biogás como fonte energética.
Por conta dessas novas possibilidades, nos últimos 18 meses a ABiogás trabalhou em uma proposta de política nacional de gás Biometano, desenvolvendo uma série de medias que podem impulsionar seu uso e resolver problemas estruturais. Segundo Gardemann, a bioenergia permite:
• Geração descentralizada – Há resíduos e efluentes em todas as regiões do Brasil;
• Geração de base – Substituindo as grandes hidrelétricas, que não devem mais ser construídas no Brasil;
• Redução no déficit de combustíveis líquidos – Com o cancelamento das refinarias no Nordeste, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) indicou que haverá um déficit de 500 mil barris/dia de combustível nos próximos dez anos. De acordo com Gardemann, este volume pode ser substituído pelo biometano.
“Hoje temos um potencial de produção de bioenergia equivalente a uma Itaipu e meia. Além disso, 40% do diesel consumido no País pode ser substituído pelo biometano, e estamos falando de resíduos que já estão sendo produzidos e não são utilizados”, afirma. Para estimular o uso da bioenergia, a associação trabalha com a meta de instalar capacidade produtiva de, no mínimo, 500 MW/ano nos próximos dez anos. “Isso daria só um terço do nosso potencial”, diz.
Gardemann reconhece existir uma movimentação do mercado em torno dos projetos de bioenergia, mas afirma que este é apenas o começo do caminho. “Precisamos de mais associados. Necessitamos que o governo monte um comitê executivo para discussão das medidas e implementação do programa que sugerimos. Há uma lista de medidas sugeridas, por isso é o momento de estabelecer esse comitê para desenvolver uma política estruturada de longo prazo para esse setor”, defende.