O setor de saúde está passando por profundas transformações, e isso não ocorre por acaso. De um lado, sua evolução tem permitido que as pessoas vivam cada vez mais, mas não necessariamente com melhor qualidade de vida. Além disso, esta mesma evolução traz o desafio de se atender uma população cada vez maior de idosos, mantendo a qualidade e reduzindo os custos do setor.
Todos estes temas foram discutidos durante o encontro “O Futuro da Saúde no Brasil”, realizado no último dia 9, na Casa do Saber. Participaram do evento o country head da Siemens Healthineers no Brasil, Armando Lopes, o professor doutor da Faculdade Medicina da USP (Universidade de São Paulo), Giovanni Cerri, e o CEO do Grupo Oncoclínicas, Luis Roberto Natel.
Um dos primeiros pontos discutidos por eles foi como a tecnologia pode suportar as decisões e oferecer mais eficiência na gestão do setor. Para Lopes, da Siemens, hoje as oportunidades oferecidas na saúde para o uso da tecnologia são inúmeras, e começam na prevenção, com a possibilidade de diagnósticos cada vez mais precoces, o que é bom para hospitais, operadoras de saúde, pacientes e a cadeia como um todo.
“Atualmente, os programas de prevenção e promoção de saúde são fundamentais. Eles conseguem mostrar uma redução de até 40% na busca por atendimentos de urgência e de 22% nas internações”, revela. Os benefícios estão presentes também nos diagnósticos e tratamentos, já que hoje é possível substituir biópsias por exames mais precisos e soluções que possibilitem um tratamento minimamente invasivo.
Para Cerri, da USP, a inclusão da tecnologia na área de saúde é o grande desafio a ser enfrentado hoje, isso porque é preciso pensar nas tecnologias adequadas à realidade do País. “Muitos equipamentos às vezes são inacessíveis para utilização em larga escala, por isso é preciso adequar a tecnologia para a realidade populacional e geográfica, como aconteceu com os equipamentos de ultrassom mais portáteis e acessíveis”, compara.
Natel, do Grupo Oncoclínicas, concorda, e lembra que muitas vezes a adoção de soluções simples pode fazer uma grande diferença. Ele cita como exemplo as clínicas do grupo, que colocaram em prática uma parceria com a Universidade de Harvard graças ao uso da videoconferência. “Todas as terças-feiras, nossos médicos se conectam com os de lá para atualização e para discutir os casos que estamos tratando aqui”.
Lopes, da Siemens, lembra que a tecnologia tem ampliado muito as possibilidades de diagnósticos. “Hoje é possível controlar uma ressonância magnética remotamente”, diz. Isso significa que um especialista pode disponibilizar o conhecimento dele para qualquer lugar do Brasil.
Um dos resultados disso é a possibilidade de se oferecer uma medicina de alta qualidade em qualquer localidade. Indo além, Lopes afirma que em alguns casos é possível personalizar o atendimento sem prejudicar a escala. Basta que o processo siga um padrão ou um protocolo que, comparado com outros, permita identificar o tratamento de maior sucesso. “Se o processo funciona, ganhamos na escala, sem abrir mão da qualidade e do tratamento qualificado”, acredita.
Gestão
Se no diagnóstico e tratamento de doenças o setor de saúde avança com o uso da tecnologia, o mesmo ainda não se pode dizer da gestão e eficiência dos gastos. Natel, do
Grupo Oncoclínicas, afirma que o primeiro passo para uma gestão mais eficiente e transparente é o estabelecimento de uma área de compliance, tanto de temas mais gerais como fiscais, auditoriais, tributação, quanto o compliance médico, que estabeleça protocolos médicos, práticas e processos de relacionamento com a indústria, para assim normatizar a gestão. Não se trata de um processo punitivo, e sim de um processo de melhorias.
Lopes acredita que, para obter mais eficiência na saúde e diminuir os custos, é necessária a implementação de sistemas de gestão. “Outro ponto importante que deve ser repensado é o atual modelo de remuneração do setor, que hoje é realizado por procedimentos, de maneira não sustentável, e que de certa forma estimula o uso exagerado de materiais e insumos. O ideal seria um pagamento feito por performance, e não pelo consumo de recursos”, diz. Lopes ainda acredita que a remuneração pela performance pode estimular a transparência e uma a melhoria contínua no setor.
Para Cerri, da USP, a melhoria da gestão e do controle de custos passa por dois pontos: a integração do sistema de saúde e um perfil de atendimento mais voltado à prevenção. No primeiro caso, o professor lembra que o Brasil conta hoje com sistemas de saúde estaduais e municipais que não se conversam, o que dificulta a vida de médicos e pacientes.
Sobre a prevenção, ele defende que a situação ideal é que o paciente não fique doente. “Para isso precisamos de um sistema menos focado na doença e mais voltado para a promoção da saúde”, defende. Os programas de educação voltados a temas como alimentação, exercícios e alcoolismo, seriam uma alternativa. O ponto é que esses programas dependem da vontade de aplicá-los e divulgá-los. “Promover a saúde é fazer com que as pessoas não fiquem doentes. Isso envolve efetivamente a educação e deve ser mostrado desde cedo nas escolas, criando uma cultura de uma população mais saudável”, afirma.
Lopes concorda e lembra que há muitos temas ainda a serem tratados, como a obesidade, que vem aumentando a cada ano no País. O bom uso da tecnologia, um maior foco na prevenção e uma melhor gestão com indicadores e mais transparência podem ser um caminho para o setor.
De todo modo, Natel afirma que qualidade na saúde depende também de educação. “Isso começa na escola, nas famílias, em casa, com envolvimento de todos, da sociedade à indústria. Da forma como estamos indo atualmente não vejo grandes melhoras no curto prazo”, diz.
O fato é que a sociedade em geral, e o setor de saúde mais especificamente, deve se preparar para grandes desafios. Entre eles, Cerri lembra que o envelhecimento da população representa uma preocupação e que já é hora de enfrentar o aumento de custos decorrente disso, discutindo políticas adequadas. Ele lembra que é necessário tratar a saúde como uma política de estado, e não usar a saúde como instrumento político. Assim como a aplicação prática dos discursos e propostas apresentados durante as campanhas eleitorais. “Ficam as promessas e a saúde continua ineficiente”, provoca.
De todo modo, estas são mudanças que podem ser alavancadas pelo próprio paciente que, com o acesso à tecnologia, está adotando uma postura mais ativa em relação à sua saúde. Para o professor da USP, trata-se de uma grande conquista. “O paciente hoje discute com o médico quais são as soluções possíveis. A TI democratizou o acesso à informação, assim como consultas à distância e especialistas não presenciais. Tenho certeza de que isso vai trazer grandes benefícios aos pacientes.”
Big Data
A área de saúde deve tirar muito proveito da tecnologia nos próximos anos e grande parte dos resultados certamente estará relacionada à aplicação do conceito de Big Data. Atualmente, o setor gera um volume brutal de dados, que não são armazenados de forma estruturada. “Quantos exames feitos se perdem? Se imaginarmos que podemos vir a ter exames armazenados com diagnósticos e comentários, com um histórico, isso pode ser de grande apoio à tomada de decisão no futuro”, diz Lopes, da Siemens.
Natel, do Grupo Oncoclínicas, lembra que em 2012 foram gastos US$ 6 bilhões em Big Data e que este valor deve chegar a US$ 40 bilhões em 2018. Para o setor de saúde, a análise acurada das informações dos pacientes pode gerar uma medicina cada vez mais personalizada. “No caso do câncer, por exemplo, é possível dosar medicamentos mais assertivos para cada pessoa. Todo mundo ganha com isso. O Big Data vem incorporar essa possibilidade”, defende.
A tecnologia de informação vai além. Um ponto destacado por Cerri, da USP, é a possibilidade de que o paciente tire proveito da mobilidade para portar seus exames, informações clínicas e procedimentos, que podem estar armazenados na nuvem e ser acessados via celular. “O prontuário deveria ser de propriedade do paciente. Se fosse assim, muitos exames não precisariam ser repetidos, barateando o atendimento. Essa racionalização seria muito importante para reduzir custos”, diz.