Crianças que brincam bastante têm melhor rendimento escolar

Pesquisas científicas demonstram que as crianças que brincam bastante na infância, principalmente até os sete anos de idade, têm um desempenho acadêmico melhor ao longo da vida. A explicação disso é que o processo educacional depende muito de uma convivência plena da criança na escola. Ela precisa saber se comunicar, respeitar os amigos, colaborar e se concentrar. E uma das principais fontes de conhecimento para a criança descobrir e treinar tais habilidades é o brincar livre.

Crianças que têm farta oportunidade do brincar livre desenvolvem a criatividade e imaginação, aprendem a trabalhar com regras e hierarquia, ampliam o repertório para poder se comunicar melhor e cooperar. O exercício de aguardar o amigo completar a parte dele na brincadeira, por exemplo, é um treino para saber esperar.

Estudo global realizado por Omo, da Unilever, identificou que as crianças têm brincado pouco. Atualmente, 84% das crianças brasileiras têm até duas horas por dia ao ar livre.

A pesquisa “Valor do Brincar Livre” ouviu mais de 12 mil pais ou mães, de 10 países (Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Turquia, Portugal, África do Sul, Vietnã, China, Indonésia e Índia). Em todos os lugares pesquisados, exceto na China, os pais concordam que brincar é mais importante até mesmo do que a educação formal na preparação das crianças para a vida adulta.

Coordenadora da São Paulo Carinhosa, política municipal para o desenvolvimento integral da primeira infância, que atende crianças de zero a seis anos em situação de pobreza, a primeira-dama do município de São Paulo, Ana Estela Haddad, diz que muitos pais têm a ideia equivocada segundo a qual as crianças não entendem nada antes dos seis meses de idade. “Isso é um grande engano. Desde o nascimento a criança aprende pela interação. Se ela ficar na frente da televisão, ela não vai aprender. Ela aprende brincando, interagindo”, afirma.

Mas o que é o brincar livre?

Priscila Cruz, fundadora e presidente da ONG Todos pela Educação, movimento que luta pelo direito à educação de qualidade para todas as crianças e jovens brasileiros, define o brincar livre como sendo todos os momentos que a criança tem para brincar, sozinha ou acompanhada, sob suas próprias regras, independentemente de onde esteja. Pode ser em casa, no parque ou mesmo em um lugar que não seja necessariamente ao ar livre.

“Ao brincar livremente, a criança usa sua criatividade, iniciativa e imaginação para criar sua brincadeira e interagir com o outro. Ela cria e muda as regras. É a criança que determina quando começa e termina a brincadeira, o que é do jogo, o que é justo”, diz.

A cena de duas crianças que começam a brincar de princesa e dragão e determinam, no meio da brincadeira, que vão virar super-heróis exemplifica o que é o brincar livre. “Esse brincar livre desenvolve uma serie de habilidades importantes para a criança, que vai ajudá-la em seu processo educativo tanto na escola como na vida”, afirma Priscila Cruz.

Isso é diferente de quando uma outra pessoa -os pais, cuidadores ou professores- direcionam o que a criança vai fazer, que pode ser uma colagem, um desenho, um jogo ou uma brincadeira. “Nesse caso, a criança estará participando de uma atividade lúdica, que pode ser divertida e prazerosa, mas é construída de acordo com que um adulto propôs. Não é o que chamamos de brincar livre”, destaca a presidente da ONG Todos pela Educação.

Professora do departamento de odontopediatria da USP, Ana Estela Haddad explica que não direcionar a brincadeira é essencial para permitir que a criança se desenvolva. Ela orienta sobre a necessidade de cuidar apenas dos tipos de materiais que garantam a segurança em cada idade. “A criança nem sempre precisa ter um brinquedo, ela pode brincar com o que tem à mão, como panelas, frutas, um lençol que vire uma cabana. A questão de não planejar é muito importante”, diz.

Brincar livre e educação integral
No Brasil, a maior parte das crianças passa apenas quatro horas na escola por dia. Considerando que o livre brincar não pode ocupar o tempo destinado às atividades pedagógicas, sobra bem pouco espaço para brincadeiras na escola. Esse tempo fica a critério de cada instituição, afinal são elas as responsáveis pela implementação de seus currículos.

Na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, cada escola de Educação Infantil e de Ensino Fundamental tem um tempo diário para a livre escolha de atividade pelas crianças, para que possam explorar (brincando ou de outras formas) materiais e objetos que chamam sua atenção.

De acordo com o documento Currículo Integrador da Infância Paulistana, “o brincar é uma linguagem, isto é, um modo de a criança se relacionar com o mundo e atribuir sentido ao que vive e aprende. Por isso, seja na Educação Infantil, seja no Ensino Fundamental, brincar não é perda de tempo, mas é fundamental para o aprendizado, pois desafia o pensamento, a memória, a solução de problemas, promove negociação entre crianças, o planejamento, a investigação, a discussão de valores, a criação de regras”.

Na avaliação de Priscila Cruz, o tempo destinado ao livre brincar nas escolas está diretamente relacionado ao debate sobre a ampliação da educação integral. Para ela, o ideal seria que todas as crianças tivessem acesso a seis horas de escola por dia. É o que seria suficiente para explorar melhor as três dimensões da educação: o conhecimento cognitivo, o não-cognitivo (relacionado ao desenvolvimento sócio-emocional) e o livre brincar.

De acordo com Priscila Cruz, entre as 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), a mais próxima de ser cumprida é a de oferecer educação integral em metade das escolas brasileiras até 2024. O tema conta com adesão maciça de especialistas, famílias e governos. “Não é necessário convencer ninguém para que isso aconteça. A tendência é que essa meta seja alcançada”, diz.

Enquanto o tempo do brincar livre nas escolas continua limitado pela curta carga horária escolar atual, uma forma de trazer mais brincadeiras à vida dos escolares é dividir essa responsabilidade com a família. “A escola de quatro horas precisa contar com uma parceria muito forte da família para que preservem o tempo do livre brincar, em vez de lotar a criança de atividades”, sugere a especialista.

Crianças de classes sociais mais baixas que cuidam de irmãos, da casa ou recebem outras responsabilidades é um fator que preocupa educadores. Nas classes mais altas, as preocupações são com as agendas extremamente carregadas de atividades, como esportes dirigidos e cursos extra-curriculares.

Experiências internacionais
Liderar os principais rankings internacionais de educação do mundo não pressupõe ser modelo de aprendizagem. Coreia do Sul, China e Singapura, por exemplo, figuram entre as primeiras posições globais na área, mas ao custo de muita pressão sobre os alunos. Nesses países, é comum um aluno estudar cerca de 12 horas por dia ou até mesmo ter aulas particulares pela internet de madrugada.

Diferentemente desses modelos opressores, a Finlândia vem conseguindo estar há muito tempo nas primeiras posições do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), só que garantindo o espaço do livre brincar nas escolas.

“A Finlândia é um país homogêneo, pequeno, que não apresenta as desigualdades e características do Brasil, mas vale observar suas práticas”, diz Priscila Cruz. Desde os primeiros anos escolares, e atravessando também alguns anos do Ensino Fundamental, a cada hora de aula as crianças param o que estão fazendo e vão brincar por 15 minutos. “Não é um recreio. Eles entenderam que a brincadeira ajuda a consolidar o que os alunos estão aprendendo”, explica.