Medida Provisória 703

Entenda as regras que pretendem facilitar os acordos de leniência no Brasil

Insegurança jurídica contribuiu para paralisia dos negócios

Impacto das investigações afetou toda a infraestrutura brasileira (Foto: Divulgação APPA)

Impacto das investigações afetou toda a infraestrutura brasileira (Foto: Divulgação APPA)

A tempestade perfeita está fazendo com que a economia brasileira caminhe para a maior recessão de sua história, segundo apontam diversos economistas: nem mesmo na crise de 1929, o PIB do País encolheu por três anos consecutivos. Os motivos da formação de nuvens tão carregadas são muitos. Há o menor crescimento da China e a consequente redução no consumo de commodities produzidas no Brasil. Com a queda no preço desses insumos, as maiores empresas privadas brasileiras, a Vale e a Petrobras, passaram a enfrentar ainda mais dificuldades. Há também o desequilíbrio nas contas públicas e a crise política, que derrubaram os trabalhadores. Entram nessa conta ainda o desemprego e a inflação crescentes.

Uma parte dessa retração econômica também se deve à paralisia dos negócios provocada pelas investigações e pela insegurança jurídica trazida pelos escândalos corporativos, em especial a Operação Lava Jato.

É um impacto difícil de ser contabilizado. Segundo estudo divulgado pelo Ministério da Fazenda, em outubro, a crise da Petrobras tirou dois pontos percentuais de crescimento do PIB, em 2015. “A redução de cada R$ 1 bilhão no investimento da Petrobras, se for considerado o efeito renda, impacta o PIB em R$ 2,5 bilhões”, informou o estudo. É claro que o encolhimento não se deve apenas às investigações. Os preços do petróleo estão baixos, a gestão da petroleira tem problemas e os investimentos caem, ano após ano. No longo prazo, inclusive, espera-se que os ganhos no combate à corrupção e com a melhoria de governança corporativa façam as empresas investigadas e o País crescer mais fortemente.

Efeito cascata
Só que com o tamanho da Petrobras na economia – estima-se que ela e seus fornecedores sejam responsáveis por cerca de 15% dos investimentos feitos no País – foi sentido o efeito cascata. Sua retração afetou toda a cadeia, gerando paralisia de obras, demissões e fechamento de empresas. A edição da MP 703, que regula os acordos de leniência previstos na Lei Anticorrupção, pode se transformar exatamente numa ponta para desatar o novelo cheio de nós que se tornou a Petrobras. “É claro que somos todos a favor do combate à corrupção”, afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP e consultor. “É preciso combatê-la e punir os culpados, mas não inviabilizar as empresas. Essa medida, na verdade, pode ajudar a destravar a economia.”

Lacerda: “O mérito dessa MP é dar uma saída honrosa às empresas” (Foto: Marcio Fernandes / Estadão Conteúdo)

Lacerda: “O mérito dessa MP é dar uma saída honrosa às empresas” (Foto: Marcio Fernandes / Estadão Conteúdo)

Isso porque, além do impacto sobre a cadeia da Petrobras, a Lava Jato também teve efeitos em outras áreas da economia. Com as investigações estendendo-se para as empreiteiras, por exemplo, muitas ficaram impedidas de fazer negócios com o poder público. Um impacto enorme em seu caixa, já que elas eram fortemente dependentes do governo: na UTC, 85% dos contratos eram públicos; na Mendes Júnior, 75%; na Galvão Engenharia, 69%; e na Queiroz Galvão, 53%. Sem acesso ao dinheiro público, algumas pararam de pagar fornecedores e suspenderam obras, inclusive em outras áreas sobre as quais não havia suspeita de irregularidades, nem investigações. Muitas colocaram à venda operações para as quais haviam diversificado seus negócios, como concessões de portos, aeroportos, rodovias e energia. Com a assinatura de acordos de leniência, as empresas que provarem ter mudado voltam a ser habilitadas a contratações pelo governo.

“O mérito dessa MP é dar uma saída honrosa às empresas”, diz Lacerda. Os acordos de leniência, como existiam até então, não saíram do papel. A insegurança jurídica e a pouca atratividade às envolvidas nas investigações barravam essa adesão, segundo os advogados. Nada impedia, por exemplo, que depois de assinar o acordo de leniência, as companhias não continuassem a ser investigadas e processadas em outras instâncias. “Se uma empresa da área de saúde com uma fábrica numa cidade do interior, por exemplo, fizer uma coisa errada, ela pode ser processada pelo município, pelo estado, pela União, pelo Ministério da Saúde, pelo Cade…”, diz Reynaldo Goto, diretor de compliance da Siemens no Brasil e especialista no assunto. “Como nunca é só uma coisa equivocada (a corrupção acontece com a lavagem de dinheiro, por exemplo), é importante que as autoridades conversem, atuem de forma conjunta
e, numa eventual sanção, tomem a decisão juntas.” Essa insegurança jurídica – que se repete em muitas áreas da vida das empresas – é um dos principais alavancadores do Custo Brasil.