Um grande condomínio no qual o desperdício de um morador é rateado por todos os outros. Essa é a analogia feita por Sandro Leal, superintendente de regulação da FenaSaúde, sobre os dispêndios inúteis ocorridos nas operadoras de plano de saúde. “Estima-se que 30% dos gastos no setor tenham alguma forma de desperdício”, afirma Leal. Com o objetivo de chamar a atenção para essa perda, ele idealizou a cartilha “Guia de Boas Práticas Para Evitar Desperdícios em Saúde”. Lançada durante o 3º Fórum da Saúde Suplementar, a publicação compila estatísticas brasileiras e mundiais sobre o tema, expõe dados esmiuçados sobre as despesas assistenciais dos planos médicos e aborda o problema do uso indiscriminado de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, conhecidas pela sigla OPME. “É um trabalho para informar e sensibilizar as pessoas sobre o tema, não para apontar culpados”, esclarece Leal.

Os planos de saúde suplementar seguem o conceito de mutualismo, assim como todos os ramos do seguro. Trata-se de um sistema no qual os participantes pagam mensalidades unificadas em um fundo, de onde sairão recursos para custear exames complementares, drogas, procedimentos e internações, de acordo com o rol estabelecido pelo contrato e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Todas as despesas do fundo são repartidas entre os usuários, inclusive as desnecessárias. Por esse motivo, combater desperdícios é positivo tanto para os beneficiários quanto para as operadoras, que terão ofertas mais atraentes a novos e antigos consumidores.

Para onde vai o dinheiro

Em 2016, de acordo com a cartilha da FenaSaúde, do total arrecadado pelas mensalidades das operadoras, 82,89% foram destinados ao custeamento de despesas assistenciais, isto é, consultas, hospitalizações e demais tratamentos. Outros 11,1% foram para as despesas administrativas, 3,1% para comercialização e 1,8% para impostos.

As despesas assistenciais dos planos médicos no ano passado alcançaram R$ 132 bilhões, aumento de 12,6% em relação a 2015. A internação representou a principal fatia do bolo: 44%. Por isso, estão na mira das operadoras itens que encarecem as hospitalizações, como o crescente uso das inovações tecnológicas e o consumo de OPME.

Excesso de exames

A cartilha aponta discrepâncias entre o Brasil e outros países. Na saúde suplementar nacional, a quantidade de tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas realizadas superam a de nações mais ricas e estruturadas. Nas 35 integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média desses exames é de 144,1 e 67 por mil beneficiários, respectivamente. Já nas seguradoras especializadas em saúde, é de 300 para cada.

“Por que realizamos tantos exames? Em que casos eles são bem recomendados? A cartilha se propõe a chamar a atenção para esses pontos”, diz Leal. Na publicação, são apontadas possíveis causas para o excesso de solicitações: supervalorização do exame em detrimento da avaliação física ou história clínica; postura médica defensiva; insegurança ou inexperiência profissional; modelo de pagamento; redução do tempo da consulta; influência dos meios de comunicação; conflitos de interesse; desconhecimento do custo dos procedimentos; falta de comunicação/integração entre os serviços de saúde.

A FenaSaúde explica que a saúde suplementar tem três protagonistas: o prestador (escolhe o procedimento e não o utiliza), o paciente (utiliza e não paga) e a operadora (não escolhe o procedimento e paga). A assimetria de informações entre os personagens resulta em três causas de desperdício. Um é o chamado risco moral, que ocorre quando o segurado solicita serviços além do que utilizaria se tivesse que pagar por eles. O segundo problema é a seleção adversa, tendência de atrair pessoas com maior probabilidade de utilização do plano. Por fim vem o fenômeno da indução de demanda, desencadeado pela carta branca que o médico tem para tratar o paciente, e agravado por um modelo de remuneração baseado no volume de procedimentos realizados, não na recuperação da saúde da pessoa.

O papel de cada agente

A FenaSaúde aponta possíveis caminhos para evitar desperdícios. Entre os mecanismos citados para as operadoras estão autorização prévia para os eventos de maior custo ou propensos a indicações indevidas; constituição de junta médica e odontológica; e disseminação de informações. Aos conselhos profissionais, segundo o texto, cabe fiscalizar a prática médica, com punições a quem comprovadamente desviar da finalidade primária da medicina em benefício próprio.

O maior trecho, no entanto, é dedicado ao participante do plano de saúde. A publicação cita o movimento Choosing Wisely – Escolha com Sabedoria como exemplo do que se pode chamar de “empoderamento do beneficiário”. Criada em 2012 nos Estados Unidos, a campanha estimula o diálogo entre médico e paciente e sugere que, antes de se submeter a um exame, tratamento ou procedimento, o paciente faça cinco perguntas profissionais de saúde (ver quadro).

Segundo os organizadores do Choosing Wisely, as recomendações não têm o intuito primário de economizar re- cursos, mas melhorar a qualidade da assistência, que deve ser embasada em evidências, aumentando a probabilidade de benefício e reduzindo o risco de malefício à saúde dos indivíduos. A campanha expandiu-se para Cana- dá, Austrália, Japão e países europeus, agrupados no denominado Choosing Wisely International.

A publicação da FenaSaúde aponta a busca da segunda opinião médica como mecanismo para evitar desperdício e más práticas na indicação de exames e cirurgias. “A eficácia é elevada quando realizada por profissionais independentes, sem vinculações às instituições médicas, às empresas de materiais médicos ou de medicamentos”, diz o texto.

“O combate ao desperdício é responsabilidade de todos os agentes da cadeia da saúde suplementar. Busca- mos as melhores práticas em legislação, regulação e exemplos de outros países para que cada um possa fazer a sua parte”, diz Leal.