Compartilhe
5 de maio de 2020
Diante do difícil cenário provocado pela pandemia do novo coronavírus, as regras de recuperação judicial e falência de empresas no Brasil podem ser flexibilizadas, de modo a acomodar o impacto econômico, ajustar a realidade das organizações às incertezas dos tempos atuais e evitar que muitas empresas acabem fechando as portas por causa de dívidas.
O PL (projeto de lei) número 1397/20, de autoria do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), suspende ações de execução contra as devedoras, institui prazos alongados para planos de recuperação extrajudicial e judicial, cria a possibilidade de negociações preventivas das organizações com seus credores e abre a chance de as empresas em recuperação alterarem pontos de sua reestruturação, até mesmo em processos já em andamento.
A ideia do texto, que se encontra em análise na Câmara dos Deputados, é instituir uma mudança provisória de diversas regras contidas na Lei de Recuperação Judicial e Falências brasileira, que é de 1995. Essas medidas seriam provisórias, até 31 de dezembro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública decretado pelo Governo Federal, em vigor atualmente. Algumas dessas mudanças já vinham sendo discutidas em outro projeto de lei, o 6.229/05, que aguarda votação, e prevê a remodelação da lei como um todo. Agora, o texto mais novo será priorizado por conta da crise.
“O foco é trazer alguns ajustes à aplicação da lei para evitar uma enxurrada de pedidos de recuperação judicial, impedir que empresas plenamente recuperáveis encerrem suas atividades e que o Poder Judiciário fique sobrecarregado, sem poder dar a atenção necessária a todas as empresas”, explica Ana Beatriz Martucci Nogueira Moroni, sócia da prática de Reestruturação Empresarial da Deloitte. “Se muitos pedidos de recuperação entrarem ao mesmo tempo, ocorrerá um inevitável atraso no tratamento e na condução desses processos e, tendo em vista que o fator tempo é primordial para empresas em crise, o cenário vai virar uma bola de neve”, considera.
Mudanças previstas
Muito mais abrangente que as regulamentações anteriores, o PL considera empresas de todos os tamanhos e até mesmo pessoas físicas que exerçam atividades econômicas. São dois grandes capítulos e diversas possibilidades novas: o primeiro é destinado à prevenção da insolvência e tem como alvo empresas que continuam com suas atividades normais. Na segunda parte, o projeto abre novas frentes para as empresas que já estão com a recuperação judicial em curso.
A sócia da Deloitte explica que, quando virar lei, o projeto suspenderá as execuções judiciais, desde a data em que ele entrar em vigor, por 60 dias. A medida valerá para todas as ações de natureza executiva que envolvam a discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20 de março de 2020, de contratos firmados ou repactuados em data anterior a essa data – muito provavelmente, a inadimplência terá sido causada pela crise da Covid-19.
Ana Beatriz ressalva de que não se trata de uma “liberação” para os devedores não cumprirem os contratos do período e não pagarem suas dívidas. O objetivo é conferir um fôlego extra em virtude da crise, por isso a limitação de datas.
Decorrido esse prazo, abre-se a possibilidade de uma negociação preventiva entre a empresa e seu(s) credor(es), também por um período de 60 dias – uma das maiores novidades do projeto, de acordo com a especialista. Trata-se de uma espécie de passo anterior ao do pedido de recuperação extrajudicial – a fase na qual a empresa faz uma negociação privada com credores, procura os bancos, tenta renegociar suas dívidas, pensa no que exatamente vai ser reestruturado.
“Passados os primeiros 60 dias, se a empresa entender que ainda precisa de ajuda, pode ingressar na Justiça com esse pedido de negociação preventiva”. Alguns requisitos devem ser cumpridos: a organização deverá comprovar, nos autos do processo, que teve uma redução no faturamento de pelo menos 30% em relação ao mesmo trimestre do ano passado – o que pode ocorrer de forma simples, com informação validada por um contador – e, se julgar necessário, pode requerer que o juiz nomeie um negociador, que deverá ser pessoa natural ou jurídica com notória capacidade profissional, para conduzir os trabalhos com os credores..
O tempo de 60 dias estabelecido pelo texto para essa fase é improrrogável – caso haja manifestação da empresa pedindo a ampliação, o processo seguirá, mas sendo automaticamente convertido em um pedido de recuperação judicial. Outra novidade é que a participação dos credores na negociação é facultativa, ao contrário da obrigatoriedade existente na fase de recuperação judicial. Caberá à empresa devedora apenas dar ciência a eles.
Recuperação judicial
Falando especificamente do segundo capítulo do projeto, o texto prevê alterações provisórias nas regras estabelecidas pela Lei de Recuperação Judicial em vigor, também válidas até 31 de dezembro de 2020 ou enquanto estiver vigente o estado de calamidade pública. São abrangidas as fases de recuperação extrajudicial e judicial, esta última representando a maior parte dos pedidos feitos ao Judiciário.
A recuperação extrajudicial ficará mais fácil, pois os quóruns são exigidos para homologação do plano passam a ser reduzidos. “No que diz respeito à recuperação judicial, cai uma série de pré-requisitos para o ajuizamento, tornando o pedido muito mais fácil”, explica Ana. Para as companhias que já estão com o processo em curso, o projeto dita que qualquer descumprimento de prazos ou regras, cometido em 120 dias, não será implicará na possibilidade de convolação em falência, como ocorre hoje.
“Também há a chance de a empresa apresentar novos planos de recuperação não só judicial, mas também extrajudicial, a serem aprovados pelos credores, para auxiliar as organizações a estruturarem seus respectivos fluxos de pagamento conforme o novo cenário”, afirma a sócia da Deloitte.
Outro ponto interessante é a exclusão do critério de existir, necessariamente, uma dívida de no mínimo 40 salários mínimos para que um credor entre com um pedido de falência contra uma empresa. O valor para que essa provocação possa acontecer sobe para R$ 100 mil.
A especialista da Deloitte vê um clima positivo em torno das medidas propostas, apesar de uma certa insegurança que elas possam causar às empresas devedoras e seus credores. “Não se sabe quanto vai durar a quarentena nem quanto tempo os colaboradores ficarão em casa, mas é o momento de todos se ajudarem na medida do possível, com senso de compreensão e empatia”.