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Estadão Blue Studio

Norma IFRS 16 requer clareza nos dados de arrendamento nos balanços patrimoniais

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1 de outubro de 2019

Em vigor desde janeiro deste ano, a norma internacional de contabilidade IFRS 16, sobre arrendamento mercantil (contratos de locações) vem provocando profundos impactos e, na mesma medida, muitos desafios, no dia a dia das empresas de capital aberto e fechado.

Publicada pelo International Accounting Standards Board (IASB) – organismo responsável por atualizar e determinar novos padrões contábeis adotados mundialmente pelos países que seguem essas normas (como é o caso do Brasil) –, a nova regulamentação trouxe a necessidade de as organizações realizarem o levantamento e a reanálise minuciosos de todos os contratos de arrendamento. Isso é valido tanto para arrendamentos financeiros ou operacionais, que versem sobre quaisquer tipos de imóvel, bem ou equipamento usados pela empresa por meio de aluguel ou arrendamento.

A finalidade da IFRS 16 é dar clareza às informações sobre ativos e passivos das empresas em seus balanços, já que ela requer uma forma diferente de mensurá-los, classificá-los e apresentá-los, para um entendimento mais fácil por acionistas, investidores e outros stakeholders, tornando mais fácil visualizar itens como a liquidez e o endividamento efetivo das empresas.

Assim, exceto por alguns poucos itens menos relevantes, todo e qualquer bem arrendado pela empresa passa a gerar um passivo que deve ser registrado obrigatoriamente em suas demonstrações financeiras. Adicionalmente, isso permite de maneira muito mais fácil e simples cálculos como juros pagos pelo uso de um determinado equipamento e mesmo projeções sobre depreciação e outros tipos de despesas envolvidas.

Tal é a abrangência da norma, explica Carlos Zanotta, sócio da prática de Capital Markets e Accounting Advisory da Deloitte, que empresas de todos os portes e tamanhos estão incluídas na IFRS 16, mesmo que a empresa considere o contrário. Uma certa confusão pode ocorrer pelo fato de a IFRS 16 ter sido traduzida como sendo referente a “arrendamento”.

“Muitas empresas pensam: eu não tenho arrendamento, só tenho aluguel. E acham que por causa do nome que está escrito na capa do contrato a norma não é aplicável. Totalmente equivocado”, aponta Zanotta, detalhando que a norma abrange também contratos de serviços que tenham fornecimento de equipamentos como parte do seu escopo. “Na prática, eu não conheço nenhuma empresa que não será impactada, já que a norma abrange qualquer tipo de aluguel – do próprio escritório a uma impressora ou uma máquina de café, passando por um veículo, a sede da empresa e grandes equipamentos utilizados na operação – qualquer tipo de bem”, afirma Zanotta.

Segundo o especialista, há setores completamente envolvidos com os arrendamentos até mesmo em suas atividades-fim, cuja transformação e adaptação à IFRS 16 terão de ser muito mais profundas. Entre os exemplos, especialmente no cenário brasileiro, o especialista cita as companhias aéreas, que operam aeronaves arrendadas ou no sistema de leasing; bancos, cujas agências funcionam em imóveis alugados; varejistas que operam em pontos alugados; e até operadoras de telefonia, que alugam terrenos para instalar torres e infraestrutura de telecomunicações.

Outro caso claro é o do setor de óleo e gás. “Muitos contratos desse segmento dependiam da natureza, e não podiam cancelar a qualquer momento. Trata-se, na verdade, de uma obrigação da empresa. No modelo antigo, quando um investidor olhava a posição de liquidez da empresa, ou talvez o endividamento, não tinha essa visibilidade desses arrendamentos nos balanços”.

Antes da entrada em vigor da IFRS 16 – em torno da qual as discussões duraram cerca de 10 anos antes da publicação – muitas vezes as informações de leasing e aluguéis em geral não apareciam de maneira visível nos balanços patrimoniais. “Você sabia que teria aquele desembolso em dezembro, que teria em janeiro, fevereiro do ano seguinte, por exemplo”, explica Zanotta, “então isso ficava fora do balanço, pois não aparecia claramente qual o montante disso, os impactos para o fluxo de caixa e para a posição financeira das organizações”.

Dois movimentos de adoção da IFRS 16 se seguiram à publicação para o Brasil. As empresas de capital aberto – que trimestralmente divulgam suas informações à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já tiveram que adequar seus balanços, o primeiro deles dentro das novas normas, publicadas em 31 de março. Já as companhias fechadas, de acordo com Zanotta, deverão fazê-lo em 31 de dezembro – e, portanto, se encontram em pleno processo de adaptação.

Internamente, a movimentação para adequação de uma companhia à IFRS 16 deve envolver vários times de maneira coordenada, tais como as equipes financeira, jurídica e de contabilidade, além dos profissionais de tecnologia. O primeiro passo é a empresa se conhecer: levantar todos os contratos, de que são, onde estão e ter a certeza de que nada ficou “na gaveta” de alguém.

“Como não precisavam dessa informação, não tinha um processo fixo estabelecido para que os dados chegassem na contabilidade”, diz Zanotta. “Esses contratos podem estar no financeiro, no jurídico, nas áreas de expansão, em se tratando de empresas de varejo, às vezes numa área operacional, para um aluguel de equipamentos. Por isso, a contabilidade precisa envolver todas as áreas da empresa nesse mapeamento”.

Treinadas as equipes e estabelecidos um fluxo e um sistema pelo time de TI para captação, triagem, cálculos e classificação das informações, outra preocupação deve ser permanente: “adicionando à base aditivos e novos contratos a todo tempo, para capturar todas essas informações de maneira suave, a cada fechamento contábil”, conclui Zanotta.


PERGUNTAS E RESPOSTAS

Desde quando a norma IFRS 16 está em vigor?

Desde 1º de janeiro deste ano, internacionalmente, inclusive no Brasil.

Qual a finalidade?

A meta é dar clareza aos contratos de arrendamento (aluguel) nos balanços patrimoniais. Anteriormente, essas informações entravam na categoria de despesas mensais, o que não possibilitava a investidores, acionistas e autoridades verificarem de maneira clara as posições de endividamento e projeções de caixa das companhias. Apenas nas companhias de capital aberto listadas nos Estados Unidos, foram detectados US$ 3 trilhões em contratos de aluguel e arrendamento não reconhecidos em balanços.

Muda alguma coisa para o arrendador dos bens?

Para o arrendador: não muda nada. Ele vai continuar a fazer o reconhecimento das receitas recebidas com o aluguel. O que muda é para o arrendatário, que não reconhecia o direito de uso destes bens e agora deverá fazê-lo.

Como funciona o processo de adequação da IFRS 16 nas pequenas e médias companhias?

Não importando o tamanho da empresa, as regras são universais. Nas médias e pequenas, usualmente seria mais fácil, porque tem menos contratos, mas muitas ainda na fase de que precisam ser conscientizadas desse trabalho referente aos arrendamentos.

O que acontece com quem não aplicar a IFRS 16 a seus demonstrativos financeiros?

Haverá diversos impactos, dependendo da natureza de cada entidade. Numa empresa auditada, se o efeito no balanço não for reconhecido, o auditor pode emitir um relatório com ressalvas. Caso os impactos de arrendamentos e aluguéis sejam muito relevantes, o auditor pode concluir que não consegue opinar sobre o balanço. Em se tratando de uma empresa de capital aberto, haverá questionamentos por parte da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e a empresa pode ter dificuldades em declarar dívidas e em fazer emissão de ações, afastando investidores. No caso das empresas de capital fechado, pode haver uma série de dificuldades junto a bancos. A companhia também pode ficar impedida de participar de licitações, por não possuir um relatório financeiro sem ressalvas.

A IFRS 16 abrange contratos de terceirizados?

Sim, ela vale para contratos de prestação de serviços também. No caso de contratos classificados como sendo de serviços, mas com equipamentos embutidos (o fornecimento de um veículo para a diretoria, por exemplo), a norma vale. Por isso, as empresas devem tomar muito cuidado na análise de contratos que sequer têm o nome de aluguel ou arrendamento e verificar muito bem a abrangência dos mesmos.

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