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10 de setembro de 2019
O fortalecimento das práticas de compliance (cumprimento das regras, normas, leis, das políticas do negócio e de outras atividades desenvolvidas pela empresa) evolui no dia a dia das empresas que atuam no Brasil – e, na mesma medida, isso faz com que executivos e colaboradores estejam, naturalmente, cada vez mais preocupados com desvios de conduta nos negócios. Entre eles, desvios éticos, corrupção, assédio, desmandos, malfeitos, desvio de recursos financeiros, furtos de ativos e de dados, contratações e favorecimento de partes interessadas e diversos outros tipos de irregularidades são situações que podem pôr os negócios e a reputação e imagem de uma empresa em risco.
Nesse cenário, a preocupação das empresas em evoluir no compliance para assegurar um ambiente de negócios ético, integro e transparente tem levado à criação e à adoção de códigos de ética e conduta e de políticas de conformidade (Conflito de Interesses, Transações com Partes Relacionadas, Brindes e Presentes, Patrocínios e Doações, entre outras) e anticorrupção, as quais passam a reger o dia a dia dos negócios. Caminhando junto com essas iniciativas, para envolver todos os colaboradores no combate às condutas inadequadas de maneira ainda mais transparente, surgiu outro aliado poderoso: o canal de denúncias.
A importância desse ferramenta na redução dos desvios éticos e irregularidades nas organizações tem se mostrada crucial, tanto que os canais de denúncia e mecanismos internos de controle foram os responsáveis pela descoberta de mais de metade das fraudes e irregularidades detectadas entre 2012 e 2017 em 211 grandes empresas brasileiras, participantes na pesquisa “Integridade corporativa no Brasil – Evolução do compliance e das boas práticas empresariais nos últimos anos”, realizada pela Deloitte e International Chamber of Commerce – Brasil (ICC Brasil).
O sócio da área de Risk Advisory da Deloitte, Ricardo Teixeira, destaca que o canal de denúncias é fundamental para minimizar situações de não-conformidade e irregularidades envolvendo os negócios, funcionando como canal de comunicação direto e seguro entre o colaborador e as instancias de governança. Segundo Teixeira, as organizações já perceberam a importância e a força desta ferramenta. “O número de implementações é crescente, em empresas de diversos portes”.
Manter esta ferramenta ativa e operando de forma eficiente, assegurando o anonimato dos denunciantes, investigando as denúncias e aplicando as sanções adequadas de acordo com a gravidade da não-conformidade/irregularidade significa, diz ele, que a companhia está naturalmente muito menos exposta a fraudes. “As pesquisas apontam que as empresas que possuem canais de denúncia operando adequadamente tem menor incidência de fraudes e quando estas ocorrem são rapidamente descobertas através das denúncias postadas no canal de denúncias”, explica. “Por consequência, as perdas financeiras são também significativamente menores”.
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A implementação de um canal de denúncias adequado (amplamente divulgado na organização e com garantia de anonimato do denunciante) passou a ser uma iniciativa estratégica de governança e compliance, afirma o especialista. “A questão ganhou ainda mais destaque por conta da criação da Lei Anticorrupção, que desde 2013 prevê a responsabilização civil e administrativa de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública e por avanços importantes no combate à corrupção no País”, afirma Teixeira.
Sem controle externo, canal de denúncias perde independência
Como muitas vezes as situações de não-conformidade/irregularidades nos negócios envolvem os altos escalões, assegurar o anonimato do denunciante e garantir uma investigação eficiente para comprovar – ou não – a veracidade das informações relatadas são premissas que sustentam um bom canal de denúncias. E para que tudo funcione com a independência, transparência e anonimato requeridos, é uma melhor prática terceirizar a operação do canal de denúncias para uma empresa especializada.
Em organizações, diz ele, que criaram internamente seu próprio canal de denúncias, verificamos situações onde a ferramenta estava vinculada aos departamentos jurídico ou de recursos humanos, por conseguinte dentro da gestão, o que gera sérios conflitos de independência (ex.: quem gere o canal pode ser citado numa denúncia) e quebra de anonimato dos denunciantes (ex.: comentários entre gestores sobre denúncias recebidas).
“Neste cenário, de canal de denuncia operado internamente pela própria empresa, este dificilmente funcionará de forma independente, o que ocasionará a perda de credibilidade da ferramenta. O canal não pode ficar vinculado à gerência/diretoria da organização, pois ocorrem situações de denúncias citando gestores. Este cenário corrobora que a melhor prática é a terceirização para uma empresa externa especializada”, aponta Teixeira. O mesmo cenário ocorre para a investigação da denúncia. Essa pode até ser realizada pela Auditoria Interna da empresa, mas desde que esta possua um posicionamento adequado na estrutura organizacional (acima da gestão, subordinada ao Comitê de Auditoria ou Conselho de Administração). Caso contrário, é recomendável terceirizar as investigações para uma empresa externa especializada.
É importante também, segundo Teixeira, que haja uma ampla divulgação interna dos meios de comunicação utilizados pelo canal denúncias (0800, hotsite, email, etc.), além da preocupação em, de tempos em tempos, fazer uma revitalização da comunicação aos colaboradores acerca da existência do canal de denúncias, deixando o meio “vivo” para ser acionado sempre que necessário.
“Há muito turnover (troca de pessoal) nas grandes organizações, e os novos colaboradores devem ser comunicados já na integração sobre o código de ética e conduta, o canal de denúncias e as políticas de compliance da organização”.
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Garantia de anonimato e investigação eficiente
Assegurar o anonimato do denunciante, a manutenção de diversos meios para encaminhamento das denúncias e a garantia de que todas as informações recebidas serão investigadas aparecem nos três primeiros lugares como as principais práticas de estímulo à adoção do canal de denúncias em uma corporação, segundo a pesquisa “Integridade corporativa no Brasil – Evolução do compliance e das boas práticas empresariais nos últimos anos”.
Dar uma resposta ao denunciante sobre a denúncia encaminhada, mesmo que essa se revele improcedente, fortalece a confiança no canal. De qualquer forma, a investigação deve ser assegurada.
Na fase de apuração, cuidados devem ser tomados para proteger eventuais citados de injustiças, caso a denúncia não resulte em nada ou tenha sido motivada por uma situação pessoal entre o colaborador e um superior, por exemplo.
De maneira geral, as empresas brasileiras avançaram bastante nos últimos anos na criação dos canais de denúncia como parte fundamental de suas práticas de compliance, mas essa realidade no País ainda está um passo atrás quando comparada às organizações do exterior.
“Lá fora, as investigações anticorrupção dentro e fora das empresas, como as realizadas por autoridades, são bem anteriores às nossas, e, portanto, esse movimento de fortalecimento do compliance começou há mais tempo”, aponta Teixeira.
Experiência brasileira
Aqui no Brasil, um dos exemplos de avanço na gestão dos negócios e na evolução do compliance vem do Grupo Queiroz Galvão. O grupo tem desenvolvido seu programa de compliance desde 2014, juntamente com o seu canal de denúncias, sendo este um dos principais pilares dessa iniciativa.
“O canal independente assegura a confidencialidade e a segurança das informações, preservando a ética no ambiente de negócios da organização”, afirma o diretor de Compliance do Grupo Queiroz Galvão, Sérgio Loureiro.
Além do canal de denúncia, outras medidas foram adotadas para o aprimoramento da governança no Grupo Queiroz Galvão, tais como: criação de uma diretoria de Compliance ligada ao conselho de administração da holding; compromisso da alta direção no cumprimento das diretrizes; aprimoramento do código de ética e demais normas e procedimentos internos do seu programa de compliance; desenvolvimento de programas para treinamento de todos os colaboradores, além da ampliação dos processos de controles internos e auditorias.
Em 2017, a Construtora Queiroz Galvão recebeu a certificação ISO 37.001:2016 – Sistema de Gestão Antissuborno e a declaração de verificação ISO 19.600:2014 – Sistema de Gestão de Compliance, sendo a primeira companhia brasileira do segmento de infraestrutura a obter estas certificações.