Vivemos um momento crucial para a infraestrutura logística brasileira. Se o nível atual de investimentos for mantido, o cenário tende a piorar muito nas próximas décadas. Em contrapartida, uma profunda transformação pode tornar o setor eficiente e competitivo. Mas, para que os avanços ocorram, não há mágica: é preciso ampliar a participação privada na criação e no desenvolvimento de soluções, conclui o estudo Projeções para a Infraestrutura de Logística de Transportes no Brasil, apresentado pela Fundação Dom Cabral (FDC), no último dia 20 de setembro, na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington (EUA).

De acordo com o diagnóstico, o Brasil tem potencial para, até 2035, oferecer infraestrutura de transporte e logística de alta qualidade, semelhante à norte-americana, com maior participação das ferrovias e das hidrovias na movimentação de cargas. É essencial, no entanto, que as empresas privadas colaborem com essa transformação. “Fora da participação privada não há solução para infraestrutura”, afirmou Ramon Cesar, professor da FDC, durante o encontro Transportation Infrastructure in Brazil (Infraestrutura de Transporte no Brasil).

Apesar dos desafios gerados pela atual situação econômica, Cesar elencou projetos que, se saírem do papel, podem elevar o nível do serviço no País e reduzir os custos com transportes em 10% ao ano, já a partir de 2025. “As concessões são a principal saída para a melhoria da infraestrutura logística. Atualmente, enfrentamos graves restrições de recursos. Temos a lei do teto de gastos, com percentuais obrigatórios nos setores de saúde e educação. Além disso, existe alta demanda de investimento público nos serviços sociais”, disse ele, ressaltando que a infraestrutura precisará cada vez mais da iniciativa privada.

Para crescer de forma estruturada, o Brasil precisa reduzir sua dependência das rodovias e ampliar a participação das ferrovias e da navegação de cabotagem (transporte costeiro feito entre portos do mesmo país) para a potencialização do escoamento das safras. Entre os seis novos projetos ferroviários expostos durante o encontro internacional, a FDC destacou a Ferrogrão, corredor de exportação que interliga a região Centro-Oeste, no Mato Grosso, ao Porto de Miritituba, às margens do rio Tapajós, no Pará; e a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO), que interliga o Centro-Oeste com a ferrovia Norte-Sul.

Se os investimentos necessários forem feitos, o Brasil deverá avançar às seguintes marcas ao longo dos próximos 17 anos: o peso da rodovia na malha logística passará dos atuais 70% para 50,8%; a capacidade das ferrovias aumentará de 8,1% para 16,5%; e o percentual da hidrovias também crescerá de 20,2% para 30,9%.

Bernardo Figueiredo, consultor em infraestrutura, considera que um dos principais entraves para o desenvolvimento de obras no setor é o baixo critério empregado na seleção dos projetos, além de sua qualidade questionável. “Por trás de todos os problemas há sempre um projeto malfeito. Melhorar essa seleção e preparar as ações com critério são iniciativas fundamentais”, alertou. Figueiredo também destacou a importância do estudo da FDC. “O investidor tem um instrumento que simula o funcionamento da realidade de transporte no Brasil. Isso assegura a previsibilidade. Quem vai entrar numa concessão de 30 anos tem que saber qual é a perspectiva de longo prazo.”

Vice-presidente do BID, Alexandre Rosa, ressalta que o debate provocado pelo levantamento chega em momento propício, já que o Brasil discute as diversas propostas apresentadas pelos candidatos à Presidência da República.

Leonardo Vianna, presidente do Grupo CCR, também acredita que o cenário é favorável para discussões em torno da infraestrutura brasileira. “Além da grande demanda, existe também um consenso entre os políticos sobre a necessidade de fazer os investimentos junto com a iniciativa privada. Isso abre uma enorme possibilidade para novos projetos”, analisou.

O economista e professor da FDC Carlos Braga sugere que se olhe para exemplos externos na tentativa de driblar a escassez dos recursos públicos. Ele cita o Chile, que conseguiu atingir um nível de infraestrutura competitivo ao buscar investimentos fora do sistema público. “Onde há crise, há oportunidade. O fato de passarmos por uma crise fiscal traz oportunidade para buscarmos melhores práticas e soluções para atrair investidores”, disse.

O interesse da iniciativa privada em dar suporte a essa retomada é manifestado pelo presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges. “Em um momento de déficit público e fiscal, dificilmente nós teremos recursos públicos suficientes para mantermos e ampliarmos a malha rodoviária brasileira, fundamental para a retomada do crescimento econômico e sustentável do País. O setor privado pode e deseja participar desse esforço”, assegurou.

Ainda neste mês, a FDC tornará públicos detalhes do estudo Projeções para a Infraestrutura de Logística de Transportes no Brasil. O documento traz diagnósticos, recomendações e projetos que visam contribuir para o fortalecimento da infraestrutura nacional.