Essencialidade do setor coloca o Brasil entre os maiores do mundo

Em sua carta ao rei de Portugal, considerada por alguns uma espécie de certidão de nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha mostra admiração por várias características dos indígenas nativos. Uma delas é o fato de se cuidarem com zelo (“muito bem curados”, na escrita da época) e de andarem “muito limpos”. O escrivão da equipe de Pedro Álvares Cabral foi o primeiro a detectar uma característica que até hoje faz parte da cultura brasileira. Não por acaso, o Brasil figura como o quarto país que mais gasta em produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos: fica atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão, de acordo com estudo de 2016 da Euromonitor.

O setor se mantém relevante mesmo diante da maior recessão de nossa história recente. Apesar de ser a oitava economia do planeta, o Brasil é o segundo maior do mundo em vendas de desodorantes, perfumes, produtos masculinos, protetor solar e linha de depilação. O terceiro em artigos infantis. O quarto em itens para banho, cabelo e higiene oral. O quinto em maquiagem. Como isso é possível? A cultura que relaciona perfumaria a algo supérfluo não faz mais sentido.

Um levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), de 2016, apontou que, na crise, o brasileiro escolhe abrir mão de gastos com lazer, viagens, roupas, TV por assinatura e celular – mas não com beleza e tratamentos estéticos. Mais ainda: quase metade (43,7%) dos entrevistados acredita que esse investimento é um recurso para levantar a autoestima em momentos difíceis. Trata-se do que alguns acadêmicos chamam de “efeito batom”: mesmo em tempos de vacas magras, encontra-se um jeito de adquirir ao menos um pequeno mimo afim de elevar a autoconfiança.

Outro trabalho, do Instituto FSB Pesquisa, divulgado em março deste ano, chegou à conclusão parecida ao investigar a importância dos cuidados pessoais para o brasileiro. Encomendada pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a sondagem indica que o consumidor vê os artigos do setor como fundamentais: previnem doenças, proporcionam bem-estar, fortalecem a autoestima, ajudam no relacionamento social. Ficou clara, por exemplo, a relação entre a sensação de estar limpo e a autoestima. Os itens mais essenciais apontados na pesquisa são, nesta ordem: absorvente, sabonete, escova de dente, creme dental, fraldas descartáveis, repelentes, protetor solar, desodorante, xampu e condicionador.

Uma terceira pesquisa, feita pela agência Mintel, indicou que a preocupação tende a ser elevada nas regiões onde predominam altas temperaturas. “Geralmente, em cidades com clima mais quente a exibição do corpo traz maior necessidade de cuidado”, declara Juliana Martins, especialista em cuidados pessoais da agência. O Relatório Mintel Hábitos de Beleza, de março de 2017, mostra que 69% dos entrevistados afirmam não sair de casa sem passar desodorante – e os percentuais mais altos estão no Norte (73%) e Nordeste (72%).

“O Brasil é, tradicionalmente, um país preocupado com a beleza”, avalia o consultor Diego Smorigo, do Sebrae-SP. Mas é muito mais do que isso. “Temos preocupação com a forma física, a alimentação saudável e a longevidade”, acrescenta. Esses hábitos de consumo ajudam a movimentar a economia brasileira. No ano passado, o mercado nacional de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos gerou R$ 45 bilhões em vendas e gerou oportunidade de renda para 5,8 milhões de pessoas, segundo a ABIHPEC.

Os produtos aqui fabricados também chegam ao exterior – no ano passado, foram enviados a 153 países, para os quais foram exportados US$ 618 milhões. Os maiores compradores são da América Latina (Argentina, Chile, Colômbia e México absorveram mais de 50% das exportações brasileiras).

Cadeia produtiva

A área propriamente dita abarca 2.642 empresas, conforme registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas junto delas se estende uma longa cadeia, que abrange diversas áreas da economia. Segundo estimativa da consultoria LCA, a cada real investido no segmento, há retorno de R$ 3,85 em produção.

São valores que influenciam, entre outros setores, os desenvolvedores de fragrância – só a associação do setor reúne 41 empresas. A indústria química, é a quarta em importância na formação do PIB industrial do País. A de plásticos, que agrega mais de 12 mil companhias. A de embalagens, que no ano passado produziu R$ 64,3 bilhões. Distribuidores e atacadistas, em que o segmento de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria responde por 15% do mercado. Além disso, a área de cuidados pessoais é o setor industrial que mais investe em publicidade.

Por trás de vários desses números, está a característica que Pero Vaz de Caminha destacou em sua “Carta sobre o Achamento do Brasil”. Mas não são apenas vendas, relações comerciais. A própria ABIHPEC promove, com suas congêneres de cada um dos elos da cadeia, trabalhos cientí cos, capacitações e parcerias tecnológicas.

Vendas diretas

Outro grupo que se destaca é o exército de vendedores individuais. Mais de 40% do faturamento desse tipo de comércio vem de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria, estima a Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD). “A crise, o desemprego e a possibilidade de se regularizar como microempreendedor individual [MEI], pagando baixos impostos, têm incentivado muita gente a entrar nessa atividade, principalmente mulheres”, afirma Diego Smorigo, do Sebrae-SP.

“A venda direta de produtos desse segmento sempre foi muito importante por oferecer oportunidade para as mulheres terem seu negócio por conta própria, com baixo risco e baixo investimento, ao mesmo tempo em que cuidam dos filhos e da casa”, reforça a diretora executiva da ABEVD, Roberta Kuruzu.

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