As lições de um aumento de impostos

O segmento de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPPC) foi um dos que mais tiveram elevações de tributos nos últimos dois anos. Em nível nacional, houve aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre vários produtos do setor. E, em diversos Estados, itens essenciais para a saúde e o bem-estar dos brasileiros tiveram aumentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) superiores a 50%, como absorvente higiênico, fralda descartável e sabonete, ou acima de 100%, como creme dental e protetor solar. Essas mudanças provocaram aumento de preços, redução do acesso da população a produtos essenciais para a sua saúde e o seu bem-estar, queda no consumo e diminuição da atividade de uma das indústrias mais importantes e inovadoras do Brasil.

“A história mostra que existe uma relação forte entre carga tributária e atividade econômica no nosso segmento”, afirma João Carlos Basilio, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). “Essa relação foi demonstrada nos anos 80 e 90, em dois momentos em que o governo federal reduziu o IPI do setor”. Nesse período, diversos produtos que antes pagavam mais de 70% de IPI tiveram suas alíquotas reduzidas para cerca de 20%. A mudança estimulou o consumo, que cresceu em média 11,4% ao ano durante mais de duas décadas, gerou milhões de empregos e aumentou a arrecadação tributária de todos os entes da Federação.

Ciclo virtuoso

Esse movimento gerou um dos maiores ciclos de desenvolvimento vividos por um segmento industrial brasileiro. O crescimento do mercado fez surgir grandes empresas nacionais e atraiu gigantes do mundo todo. Ao contrário do que ocorreu em outros setores, cujo crescimento foi acompanhado pela concentração da atividade em poucos grupos econômicos, em HPPC o número de empresas só cresceu. Em 2000, por exemplo, havia no País cerca de 1.300 companhias no setor. Em 2015, eram 2.613 – um aumento de mais de 100%.

Expansão e inovação

Outro efeito positivo foi o aumento dos investimentos da indústria em inovação. Empresas nacionais e multinacionais montaram centros de pesquisa no País para desenvolver produtos que proporcionassem mais benefícios aos usuários. “Nos anos 80, praticamente só existia um único tipo de creme dental”, lembra o presidente-executivo da ABIHPEC. “Hoje, você encontra várias opções, cada uma com uma função a mais além da limpeza dos dentes”.

A expansão da indústria gerou também inovações importantes no comércio e na prestação de serviços. O modelo de venda direta recebeu um impulso enorme do setor, proporcionando fonte de renda para milhões de brasileiros, sobretudo mulheres. As franquias, que eram novidade no país nos anos 80, encontraram no setor uma alavanca para o seu desenvolvimento. As inovações da indústria também foram fundamentais para o crescimento do mercado profissional, composto por mais de 600 mil salões de beleza formais espalhados pelo País, que empregam 1,280 milhão de pessoas. Isso sem contar a importância dos produtos HPPC para o varejo tradicional, que reúne desde as grandes redes de supermercados e drogarias até pequenos mercados ou lojinhas de bairro que totalizam cerca
de 750 mil pontos de venda.

“Apesar de todos esses benefícios, que ocorreram em boa parte por causa da redução tributária dos anos 80 e 90, o Estado brasileiro decidiu trilhar o caminho contrário para tentar aumentar sua arrecadação no curto prazo”, afirma o presidente da ABIHPEC. “Primeiro foi o IPI. Em janeiro de 2015, o governo federal, por meio do decreto 8.393, resolveu cobrar o imposto também sobre as vendas entre atacadistas e varejistas de produtos de HPPC.”

A medida, que a ABIHPEC considera ilegal, está sendo questionada na Justiça. Mas, segundo Basilio, o seu efeito negativo já foi sentido pelos consumidores e pela indústria. “O aumento do imposto teve de ser repassado ao preço dos produtos e contribuiu para a redução do consumo”, ele diz. Depois, 18 Estados elevaram suas alíquotas de ICMS para produtos do segmento. “Em alguns casos, a mudança foi brutal”, diz o presidente da ABIHPEC. Ele cita os casos de Minas Gerais, que aumentou em 125% o imposto sobre creme dental (passou de 12% para 27%); do Paraná, que subiu em 108,3% a alíquota para protetor solar (de 12% para 25%); e de Alagoas, Pernambuco e Sergipe, que aumentaram o ICMS em mais de 30%, encarecendo, além de protetor solar e creme dental, produtos como sabonete, desodorante, xampu, escova dental, papel higiênico, absorvente higiênico, fralda descartável, entre outros. Ao provocar aumento de preços, a elevação tributária acabou sendo um dos fatores
que mais pesaram na reversão dos resultados do segmento, acredita Basílio.

Retração

Depois de crescer de forma ininterrupta durante 23 anos, o setor sofreu uma queda de 9,3% em 2015, o que obrigou as empresas a reduzir investimentos em inovação e acabou gerando redução da atividade econômica ou desemprego em toda a cadeia de produção, distribuição e prestação de serviços. Na indústria, por exemplo, o número de empregos diretos caiu de 126 mil em 2014 para 122,2 mil em 2015 – uma perda de 3,8 mil vagas de trabalho.

Para Basílio, a ideia de que elevar impostos de setores já altamente tributados pode trazer alívio para as contas públicas não passa de uma ilusão. “Em um País que precisa fortalecer sua indústria, gerar mais investimentos e proporcionar produtos cada vez melhores para a saúde e o bem-estar da população, isso é um tiro no pé”, afirma.

Setor é alvo de preconceito

Em 2015, os impostos, as taxas e as contribuições aplicados no País representaram 32,66% do Produto Interno Bruto (PIB). O segmento de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, porém, pagou por volta de 39%. E esse número deve passar dos 40% em 2016, como resultado da elevação tributária.

Isso mostra que, para os responsáveis pela definição da carga tributária, produtos como protetor solar, sabonete, xampu, fralda descartável, e cosméticos em geral não estão entre os itens essenciais. “Existe preconceito em relação ao nosso setor”, afirma Manoel Teixeira Simões, diretor da ABIHPEC.

A percepção de que esses produtos são menos essenciais não reflete, porém, a opinião nem os hábitos de consumo da população, como inúmeras pesquisas já mostraram. E um dado que fala por si: enquanto o Brasil como um todo ocupa hoje a 8ª posição entre as maiores economias do mundo, no setor de HPPC somos o 4º maior mercado.

Há quem veja nessa discriminação, inclusive, uma questão de gênero, uma vez que são as mulheres que tradicionalmente mais cuidam da saúde e do bem-estar da família – e, portanto, são as principais consumidoras desses produtos –, enquanto que os órgãos tributários ainda são predominantemente chefiados por homens. Ou de que outra maneira se poderia explicar o fato de que a média do IPI sobre os produtos de HPPC está ao redor de 20%, enquanto a gravata, por exemplo, um item meramente decorativo de consumo masculino, tem alíquota de 0%?

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